- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

A admirável consciência dos homens

Dia desses, acompanhando o noticiário, fiquei a pensar no quão admirável é a consciência da raça humana – aquele atributo que Francis Bacon sabiamente definiu como “a estrutura das virtudes”, e que, segundo Pascal, “é o melhor livro de moral que temos; e é, certamente, o que mais devemos consultar”. 

Inicio pela constatação de que se eu fizer, publicamente, apologia de fato criminoso, serei processado e até preso. No entanto, se lançar no mercado um “videogame” que recompense jovens que matem policiais, estuprem mulheres ou até pratiquem genocídio, terei apenas exercitado meu direito à “liberdade de expressão” – e talvez até fique rico! 

Se, ao longo de um conflito em algum país lá da África ou da Ásia, eu errar na pontaria de minhas armas e vier a matar crianças muçulmanas, e há informes de que estas pequenas vítimas já são milhares, verei que será escassamente noticiado este engano, quase sempre tratado como “dano colateral”. Ouse eu, no entanto, atingir por engano algum cidadão ocidental, e terei que ir à televisão pedir desculpas e explicar o equívoco. 

Imaginemos que eu, após prender algum miserável, acusado pelo roubo de, digamos, um veículo, tenha decidido “apresentá-lo” à população, algemado com as mãos para trás, sem camisa e dignidade humana. Não haveria problema algum! Se, no entanto, adotasse procedimento similar quanto a alguns ricos cavalheiros acusados do desvio de fortunas, movimentar-se-ia a consciência jurídica mundial, e eu acabaria desempregado e processado criminalmente. 

Falando em presos, imagine o que aconteceria se algum de nós torturasse violentamente muçulmanos lá no Oriente Médio – pense, por exemplo, em alguém submetido a 83 sessões de tortura ao longo de apenas um mês. Complique ainda mais a situação: que cada sessão tenha sido filmada e registrada meticulosamente. Pois é: tudo seria tratado como “técnicas avançadas de interrogatório”, legalizadas pelas maiores autoridades deste planeta, e praticamente nada aconteceria. Se, no entanto, o torturado fosse algum governante ocidental, envolvido em escabrosos casos de corrupção, responsável indireto pela morte de milhares de cidadãos inocentes, certamente o caso desaguaria em alguma pena severa. 

Se eu, rico empresário, instalar uma de minhas empresas em algum país miserável, explorando cruelmente o trabalho de milhares de seres infelizes, que mal tem o que comer, dificilmente serei alcançado pelo braço da lei – no máximo enfrentarei algum noticiário desfavorável pelos jornais, e só. Vá eu, porém, trazer um único deles para trabalhar como empregado em minha residência, e acabarei envolvido em um imenso escândalo, acusado de escravidão – afinal, temos leis neste planeta! 

E se sua empresa decidisse semear uma guerra em algum país africano, ao custo da vida de milhões de seres humanos, só para arrancar minérios preciosos a preço de banana e vender armas a peso de ouro? Sem problemas! Na pior das hipóteses, seu nome seria divulgado na Internet por algum inconformado, e só. Experimente, no entanto, retirar algo às escondidas de alguma reserva ocidental, e aguardá-lo-á o cárcere! 

Para concluir, o que aconteceria se nós, reunidos em um pequeno grupo, na condução de poderosíssimas instituições financeiras, causássemos, por pura ganância, uma crise mundial gravíssima, ao custo de centenas de milhares de empregos e dos fundos de aposentadoria de milhões de idosos desamparados? A resposta: nada. Emita, porém, um único cheque sem fundos e veja o que acontece! 

Melhorar um quadro desses, no qual o tamanho da consciência é inversamente proporcional ao da hipocrisia, e do qual todos somos parte, em maior ou menor grau, é tarefa para os séculos!