- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

A apuração do crime

Há uma diferença entre poder arbitrário e poder discricionário. Poder discricionário é aquele que tem um Delegado, por exemplo, logo após ter sido cometido um crime, de prender suspeitos, cercar a área, exigir a identificação de transeuntes, impedir o acesso de pessoas ao prédio ou ao edifício onde se deu o fato, apreender objetos, documentos e coisas suspeitas, ou seja, fazer tudo que considere importante para não permitir a evasão do culpado ou o extravio de provas. Poder arbitrário é o do delegado que se excede nessas medidas, agindo abusivamente, agredindo, ferindo, torturando, coagindo indivíduos que evidentemente não têm nada a ver com a ocorrência.

No inquérito policial o Delegado, comissário ou seja lá qual for a autoridade designada para presidí-lo, dispõe de toda discricionariedade para agir, apurar, investigar. A Lei confere-lhe esse poder discricionário. Só não pode haver arbitrariedade, o que estará sujeito ao controle do Judiciário.

O objetivo do Código é conferir à autoridade todos os meios para a perseguição ao crime, deixando-a agir desembaraçadamente: ouvir depoimentos, fazer perícias, interditar locais ou áreas, apreender coisas, acarear testemunhas, requisitar documentos, seguir suspeitos, manter segredo sobre o inquérito e as investigações, e, conforme as circunstâncias, até mesmo violar correspondência, ouvir conversas telefônicas, espionar, gravar palestras, fotografar encontros e poses, etc.

O Código só se preocupa em que esse poder discricionário não ultrapasse as fronteiras do justo e do correto, transformando-se em poder arbitrário. Esta é a interferência do processo penal no inquérito policial.

A Constituição preceitua taxativamente que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, LVI), proibindo, por conseguinte, o emprego de gravações clandestinas, furto de documentos, violência, simulações, etc., para obtenção de provas, tanto no processo penal como no processo civil.

Da mesma forma, são proibidos como veículos de prova: a lavagem cerebral, o detetor de mentiras, o sôro da verdade, a hipnose, torturas, ameaças, etc., em suma, todo e qualquer método que prive o réu da plena liberdade ao efetuar suas declarações.

A tortura, pela Carta, passa a ser crime inafiançável e “insuscetível de graça ou anistia” (art. 5º, XLIII), “respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-la, se omitirem” (idem).

Esses métodos condenáveis devem ser evitados, agora, mais do que nunca, porque se eram repelidos pela legislação ordinária, encontram repulsa no próprio texto constitucional.

O legislador se preocupa em disciplinar a marcha do inquérito policial, cercando-a de cuidados e precauções, porque é dali que o Ministério Público haverá de extrair, preliminarmente, os meios para oferecer a denúncia. Os dados ali coletados servirão para o impulso inicial ao desenvolvimento da ação penal.

Isso tudo, como é claro, são rudimentos de Direito Processual Penal e de Direito Constitucional, de conhecimento geral, podendo ser cantados em prosa e verso até mesmo por qualquer vendedor de amendoim que já passou pela porta de alguma Faculdade de Direito.

Mas, por incrível que pareça, já de nada valem todos esses princípios, que remontam às origens da própria Constituição norte-americana. Foram simplesmente revogados e arquivados, tornando-se mera letra morta.

Basta dizer que ainda recentemente o Presidente Bush, respaldado pelo Congresso americano, conferiu poderes a todos os policiais, especialmente agente do FBI e da CIA, para prenderem sumariamente suspeitos e, se for o caso, matarem.

Como se vê, nos Estados Unidos, a maior democracia do mundo, não é apenas 007 que dispõe de “licença para matar”. Qualquer agente da lei é, agora, policial, promotor, juiz e executor da sentença que, a seu livre arbítrio, exarar.