- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

A bruxa está solta

Dia desses condenaram uma bruxa à morte. O crime dela foi ter matado seis pessoas – sua própria filha incluída – durante um ritual de exorcismo no qual a pancadaria correu solta a fim de que todos fossem “purificados”.

Diversamente do que poderíamos imaginar, este caso não vem de nenhum país atrasado – aconteceu lá no civilizado Japão. Esta bruxa responde pelo nome de Sachiko Eto, e sua condenação veio a lume em 2012.

No Reino Unido noticiou-se recentemente o caso do filho que decapitou a própria mãe por achar que a dita cuja era uma bruxa. Poucos meses antes, li um chocante relato sobre os atos de violência envolvendo bruxaria naquele país: mais de 80 crianças foram abusadas e torturadas por conta de rituais derivados de crenças medievais – e as autoridades policiais acreditam na existência de centenas de outras vítimas.

No Haiti, em 2010, 45 pessoas foram linchadas em praça pública, acusadas de bruxaria – segundo a população, foi por conta de rituais de vudu praticados por elas que uma epidemia de cólera instalou-se no país.

Enquanto isso, na Índia, o problema é a matança de crianças em rituais de sacrifício humano, através dos quais busca-se “força e fortuna”. A esta matança corresponde uma outra, de pessoas acusadas de bruxaria – ora são queimadas vivas, ora tem os olhos arrancados com tesouras.

Só para que se tenha uma ideia, cerca de 200 mulheres indianas perdem a vida a cada ano por conta de suspeitas de bruxaria. Em Moçambique são umas 20. Situação mais grave encontramos na Tanzânia, país no qual três mil pessoas foram linchadas entre 2005 e 2011, acusadas de bruxaria.

Estes linchamentos não são raros em Moçambique, no Nepal e na República Centro-Africana. Nesta última causa preocupação a situação das crianças – as que sobrevivem tem que fugir para longe de tudo e de todos.

Já na Arábia Saudita e no Sri Lanka os linchamentos foram substituídos por decapitações. Em um dos casos que acompanhei, a suposta bruxa teve a cabeça arrancada em praça pública a poder de golpes de espada por terem sido encontrados em sua casa um livro sobre bruxaria, 35 véus e garrafas com “um líquido estranho” usado em rituais.

Cito um outro problema: na Tanzânia não é rara a amputação de membros ou a morte de crianças albinas em rituais de bruxaria – acredita-se que amuletos feitos com partes de seus corpos, vendidos a preços exorbitantes, trazem sorte e prosperidade. Recentemente noticiou-se o caso de uma infeliz criança que, com apenas sete anos de idade, teve as mãos decepadas por conta de tais crendices. Esta prática é igualmente recorrente no Burundi.

Em Uganda, após uma “epidemia” de casos de sacrifícios humanos em rituais de bruxaria, envolvendo quase sempre crianças, as autoridades decidiram reagir e assim, em 2009, apenas 15 casos foram registrados. Aliás, recente pesquisa de opinião pública realizada naquele país constatou que 66% dos habitantes reconhecem a bruxaria como prática comum em seus locais de trabalho, com vistas a promoções e aumentos salariais.

Diante deste quadro, proponho uma reflexão: como é possível que um escândalo dessas proporções seja quase que desconhecido em um mundo que se diz “globalizado”? A partir desta questão, uma outra apresenta-se: quantos outros escândalos iguais ou até piores estão acontecendo por aí? Pois é. Talvez estejamos alienados ou ignorando o conselho de Confúcio, segundo quem “conhecimento real é saber a extensão da própria ignorância”.