- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

A cultura da responsabilidade

Dia desses, lendo o jornal britânico “The Times”, deparei-me com uma notícia digna de reflexão por cada brasileiro – e bem assim por cada responsável pela administração pública em nosso país. 

A matéria revela, inicialmente, que um a cada seis motoristas teve o carro danificado no ano passado, por conta dos buracos espalhados pelas ruas e rodovias do país. Até aí, nenhuma surpresa – li em outro jornal que a quantidade de crateras nas pistas de lá está tão grande que se estas fossem reunidas mediriam 765 km2. Só para fins de comparação, isso dá umas oito vezes o tamanho da cidade de Vitória! 

Nada de anormal, pois. Aliás, esta é uma realidade algo familiar aos brasileiros. O que veio em seguida, porém, impressionou-me vivamente: nada menos que 26 mil pessoas requereram ao governo uma indenização correspondente aos danos experimentados. Parece incrível, mas foram atendidas – e receberam, no total, o equivalente a cinco milhões de libras esterlinas. 

Realço um aspecto em especial: estas pessoas não precisaram recorrer ao Poder Judiciário – a administração pública, diante da prova de que causara um dano, providenciou a justa reparação. Simples assim. 

Isto lá no Reino Unido. Quanto ao nosso país, transcrevo declaração de um ex-presidente da OAB: “o poder público no Brasil é o maior litigante de má-fé que existe”. Confirma-o o STJ, cuja estatística demonstra que, dos cinco mil processos lá apresentados semanalmente, 4.250, ou 85%, envolvem nossa impávida administração. 

Mas retornemos ao Reino Unido: vem de lá, igualmente, um interessante provérbio: “quando apontares com um dedo, lembra-te de que outros três dedos teus apontam para ti”. É quando sugiro continuarmos nosso passeio na Alemanha, terra de Skipper. 

O dito cujo vem a ser um simpático canino, da raça Jack Russell, de aproximadamente nove anos de idade. Passeava ele por um parque de Berlim, com um amigo de sua dona, quando passou próximo da toca de um texugo – e rumo a ela avançou, impetuosamente, por conta de sua coleira não estar segura com firmeza. 

Acredite: o intrépido canino desceu toca abaixo até ficar entalado cerca de quatro metros sob a superfície, quando então começou a chorar desesperadamente. Sua dona compareceu ao local e chamou os bombeiros. Começou, então, às 18:30, uma complicada operação de resgate. 

A expressão “complicada” deve-se ao fato de que seria necessária muita cautela ao escavar-se o local, pois havia o risco de o túnel no qual estava preso o infeliz canino desabar, matando-o por asfixia. Assim, foi necessário abrir, ao longo das sete horas e três minutos seguintes, sob a luz de holofotes, um buraco de 50 m2, com quatro metros de profundidade, até que Skipper fosse resgatado – e todos retornassem felizes para suas casas. 

Eis que, alguns dias depois, chegou lá na casa deste impetuoso canino uma correspondência do Corpo de Bombeiros, registrando que toda aquela operação decorreu não de um fato da natureza, mas de negligência, e apresentando em seguida a conta: 13 mil Euros. Tudo foi devidamente discriminado: do custo das equipes ao uso dos equipamentos, calculado minuto a minuto. 

A dona deste caro canídeo – e bota caro nisso – decidiu contestar a cobrança nos tribunais. E deles ouviu que foi negligente, tendo causado um prejuízo injusto à administração pública, que teria, então, que indenizar. O máximo que conseguiu foi fazer um acordo reduzindo o montante a ser pago, que acabou fixado em dez mil Euros. 

Isto lá na Alemanha. Quanto ao Brasil, olhe em volta e veja o quanto danificam nossas cidades, ficando tudo “por isso mesmo”. Mas não culpe ninguém – somos todos responsáveis por este quadro, acima de tudo cultural. Que tal mudá-lo?