- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

A dura vida de um carnê de IPTU

Dizem que um carnê de IPTU e Taxas Municipais é um mero pedaço de papel. Discordo. Defendo que cada um deles é uma entidade que nasce e vive até que alcance a realização do pagamento, quando então descansará em paz.

Alguns desses carnês, mais afortunados, são pagos sem maiores traumas. Outros, porém, terão vida tumultuada – sofrerão, dia após dia, a desilusão e a dor de passar de mão em mão, na ânsia de um pagamento final.

Há poucos dias um desses carnês infelizes, relativo a um Cartório Eleitoral, chegou lá no Tribunal Regional Eleitoral. Tratava-se de um carnê modesto, de razoáveis R$ 695,70, e cujas origens eram conhecidas – não era, definitivamente, um carnê bastardo, daqueles que aparecem não se sabe de onde. Mas ninguém levou isso em conta: ele foi imediatamente encapado (o pobre carnê já começou a vida virando um processo) e encaminhado para a SIMI, ou Seção de Infra-Estrutura e Manutenção Imobiliária. De lá, foi ele remetido à apreciação da COF, ou Coordenadoria de Orçamento e Finanças. Naquele setor, redigiu-se o seguinte despacho: “À SPEO para informar a existência de disponibilidade orçamentária”.

E lá foi o impávido carnê para a SPEO, ou Seção de Programação e Execução Orçamentária. Lá informou-se, em longo documento, que havia disponibilidade orçamentária para pagar as taxas. Ouviu-se então a SAO, ou Secretaria de Administração e Orçamento. Nela, “ratificadas as informações prestadas pela SPEO”, o pobre carnê prosseguiu sua maratona, desta feita rumo à Diretoria Geral.

Em seguida o Diretor-Geral remeteu o infeliz carnê para a COCIN, que vem a ser “Coordenadoria de Controle Interno”, e em seguida à Assessoria Jurídica para “análise e manifestação”.

Na COCIN, após detalhado estudo do caso, um servidor manifestou-se “favoravelmente ao prosseguimento do feito”, com vistas ao final pagamento dos tributos. Este parecer foi encaminhado à consideração do Coordenador de Controle Interno, que o acolheu. O já exausto carnê, então, seguiu rumo à Assessoria Jurídica. Esta, após redigir uma página de considerandos, narrando inclusive toda a tramitação pela qual passou o nosso sofrido personagem, não vislumbrou qualquer óbice ao pagamento.

Depois disto tudo, lá foi o carnê de volta à Diretoria Geral – onde, em documento de mais uma lauda, repetindo uma vez mais toda a tramitação acima descrita, o Diretor Geral solicitou à presidência autorização para que o mesmo fosse pago.

E lá foi o nosso personagem para a presidência. Diante de tão bem fundamentadas razões, autorizou-se o pagamento. Caso encerrado? Não! Retornou ele para a  SAO, de onde foi encaminhado para a COF com o seguinte despacho: “para as providências cabíveis”. De lá, nosso sofredor personagem voltou para a SPEO, de onde foi despachado para a SPEF (Seção de Programação e Execução Financeira), com o despacho “para empenho e pagamento” – aquele será anexado ao processo pela SPEO, e o comprovante deste pela SPEF, após as indispensáveis assinaturas do Diretor-Geral e do Gestor Financeiro. Só aí terminou o calvário deste pobre carnê, que finalmente descansou em paz.

Fiz algumas contas, calculando o custo material e humano de todo este sofrimento imposto ao infeliz carnê. Cheguei a cerca de R$ 600 – quase o valor do tributo a ser pago! O pior é que não há nada a fazer – toda esta burocracia é imposta por leis que nunca mudam. Mas deixem-me retornar ao trabalho – acaba de chegar o processo de pagamento do carnê de água. Valor: R$ 22,79.