- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

A Glória de um país

Brasil, Espírito Santo, Vila Velha, bairro Glória – um conhecido polo da indústria de confecções. Li que em função das importações de tecidos chineses cerca de 70 fábricas de lá fecharam suas portas, e há quem preveja uma queda entre 35% e 40% no faturamento de nossas indústrias têxteis.

Li também que o impacto da concorrência com a China na indústria brasileira é tão significativo que 67% das empresas exportadoras brasileiras que competem com produtos chineses perderam clientes – e outras 4% simplesmente deixaram de exportar. Além disso, 45% das empresas que competem com o gigante asiático perderam participação no mercado brasileiro.

Há quem diga que o culpado é o alto custo do trabalhador brasileiro. Eu discordo. Afinal, os produtores chineses de tecidos contam com a vantagem de 27 tipos de apoio diferentes, concedidos pelos governos federal, provinciais e municipais.

Os benefícios vão desde incentivos tributários e crédito facilitado até o controle dos preços das matérias-primas, passando por fundos de apoio à exportação – esta a constatação de um estudo norte-americano.

Citarei um pequeno exemplo: quando os preços do algodão no mercado externo chegaram a US$ 2 por libra-peso, as tecelagens chinesas continuaram pagando apenas US$ 1, graças à interferência do Estado – que também ajuda com descontos no custo da energia, financiamentos camaradas e até terrenos para construção de fábricas.

Enquanto estes graves fatos acontecem aqui, li no jornal “Deccan Herald”, lá da Índia, a seguinte notícia: “Corantes tóxicos que podem causar câncer foram detectados em alguns tecidos chineses, criando preocupação de que consumidores possam ser expostos a riscos”.

Na Arábia Saudita esta preocupação também existe. Segundo reportagem publicada pelo jornal “Al-Eqtisadiah”, “cerca de 10% das roupas importadas [da China] contém componentes causadores de câncer”.

Repercutindo esta matéria, o jornal “Arab News” ouviu um representante do governo chinês. Segue sua resposta sobre os culpados: “são os comerciantes sauditas, que pedem sempre produtos baratos”. Simples assim.

Sou leitor de diversos jornais deste planeta. Poderia citar, em complemento ao que já escrevi, reportagens que encontrei sobre substâncias altamente tóxicas encontradas em produtos tão diversos como pasta de dentes, alimentos, água, móveis, calçados, brinquedos etc. – mas limitei-me, aqui, a lançar algumas luzes sobre a questão têxtil.

Não sou, e fique isto muito claro, adepto do isolamento – defendo, antes, a integração plena com outros países. Sou inimigo declarado das barreiras comerciais – e defensor intransigente do livre-comércio.

Sim, nada veria de incorreto em expor nossas empresas a uma concorrência saudável – todos teríamos a ganhar com isso. Porém, o que temos testemunhado passa ao largo do que conhecemos como “concorrência” ou “livre-comércio”.

Realçaria, finalmente, a questão da saúde pública. Afinal, são as roupas que vestimos, os brinquedos com os quais nossas crianças se divertem, os alimentos que ingerimos e os utensílios que manuseamos – quantos deles, afinal, estão contaminados por resíduos tóxicos causadores de câncer? E quem ficará doente? Eu? Você? Seu filho?

Acredito seja chegada a hora de, com justiça e serenidade, discutirmos de forma profunda as exatas dimensões e consequências desta “abertura dos portos” promovida no Brasil ao longo das últimas décadas – e que pode levá-lo a ser um país sem glória.