- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

As Emendas

Desde a Proclamação da Independência, em 1822, tivemos, a bem dizer, 7 Constituições: a de 1824, a de 1891, a de 1934, a de 1937, a de 1946, a de 1967 e a de 1988. Todas elas entremeadas de Atos Adicionais e Emendas de toda espécie.

Mas, ao longo de sua tumultuada História, o Brasil só teve, indiscutivelmente, duas Constituições elaboradas livremente pela representação popular: a de 1946 e a de 1988. Essas foram, efetivamente, promulgadas, porque as restantes – outorgadas – proclamavam apenas a vontade de Cesar, não a vontade nacional.

Os debates em torno da Constituição de 1988 prolongaram-se durante cerca de dois anos no Congresso Nacional, com acalorados debates entre Deputados e Senadores e forte participação da sociedade, através de representantes das inúmeras associações de classe: sindicatos, entidades empresariais, grupos religiosos e porta-vozes de minorias étnicas; até mesmo tiveram decisiva influência, e foram constantemente ouvidas, as chamadas organizações não-governamentais (ONGs).

Acontece que, não obstante tanta controvérsia, tanta discussão e tantas reuniões de comissões especiais, comissões temáticas, comissões de aglutinação, e no Congresso Nacional reunido em sessão plenária, com seus Deputados e Senadores, logo após sua promulgação, a 5 de outubro de 1988, começaram a surgir inúmeras manifestações na imprensa, partidas de diversos setores políticos e sociais, proclamando a necessidade inadiável, imprescindível, improrrogável, impostergável e indispensável de uma revisão constitucional, ou, pelo menos, de serem emendados e alterados vários de seus dispositivos.

Levantada a bandeira reformista e desencadeada a campanha revisionista de tudo aquilo que havia sido fruto da mais legítima manifestação da vontade popular, vejamos o que, a partir de então, veio a ser modificado.

Efetivamente, dispunha o parágrafo segundo do artigo 27 da Constituição de 1988 que: “A remuneração dos Deputados Estaduais será fixada em cada legislatura, para a subsequente, pela Assembléia Legislativa”.

A Emenda nº 1, promulgada a 31 de março de 1992, veio definir que: “A remuneração dos Deputados Estaduais será fixada em cada legislatura, para a subsequente, pela Assembléia Legislativa, na razão de, no máximo, setenta e cinco por cento daquela estabelecida, em espécie, para os Deputados Federais”.

Veio, também, acrescentar no artigo 29 dois incisos, mediante os quais preceitua que “a remuneração dos Vereadores corresponderá a, no máximo, setenta e cinco por cento daquela estabelecida, em espécie, para os Deputados Estaduais, e, “o total da despesa com a remuneração dos Vereadores não poderá ultrapassar o montante de cinco por cento da receita do Município”.

Nada mais justo, nada mais correto. Se havia deputados estaduais e vereadores ganhando mais do que deputados federais, ou vereadores ganhando mais do que os deputados estaduais, ultrapassando os limites do bom senso e da lógica, invadindo percentuais orçamentários que seriam destinados a outras finalidades, a emenda veio fincar limites claros e intransponíveis.

Entretanto não se pode deixar de considerar que, independentemente dos vencimentos, há muitas outras maneiras dos legisladores aumentarem seus rendimentos – tudo dentro da lei e da Constituição: sessões extraordinárias, convocações extraordinárias, diárias, etc., etc.

Ninguém pode desconhecer que, por este Brasil afora, muitos abusos eram denunciados, e continuam sendo denunciados, trazendo à tona casos e mais casos escabrosos de ganhos absurdos por parte dos nossos legisladores. Nosso Estado, inclusive, infelizmente não escapa à regra geral.

Sem entrar no mérito das violações dessa natureza, sendo que o exemplo mais gritante partiu, a nível nacional, de Viana, ou seja, de uma Câmara Municipal situada na Grande Vitória, não se pode deixar de reconhecer as boas intenções que orientaram a criação e promulgação da Emenda Constitucional número 1.

O que não dá para entender, e à primeira vista parece absurdamente incompreensível, é com base em que se dizia alto e bom tom que se tratava de uma medida de salvação nacional, e, se não fosse aprovada imediatamente pelos nossos Deputados e Senadores o País seria lançado ao abismo, em cuja beira já se encontrava.

À primeira vista, decorridos 7 anos da promulgação da Emenda nº 1, parece que os objetivos foram frustrados, e “tudo continua como dantes no quartel de Abrantes”: essa emenda, por incrível que pareça, não aliviou, em nada, os problemas que se agigantam.

Ninguém poderá deixar de reconhecer os elevados propósitos de que estavam imbuídos os constituintes de 1988, ao elaborarem a nova Carta Magna. Como também forçoso é admitir-se que aqueles que, logo após sua promulgação, pregavam e assoalhavam a necessidade imperiosa de sua alteração imediata, eram, sem dúvida alguma, patriotas dos mais autênticos.

Como prova disso, basta a lembrança de algumas passagens históricas.

Efetivamente, proclamada a República aos 15 de novembro de 1889, logo a seguir, no dia 17, o Imperador D. Pedro II e sua família, foram embarcados no navio “Alagoas”, despachados para o exílio na Europa. Restaram, entretanto, inúmeros saudosistas, que, em pleno Estado republicano, defendiam a reimplantação da monarquia no Brasil. Existia, até, o Partido Monarquista Brasileiro, arregimentando adeptos e seguidores em todo o País.

Deram-se, a partir de então, movimentos monarquistas em vários Estados, com manifestações populares e nas Fôrças Armadas, tendo em vista, principalmente, que a proclamação da República não foi nada mais nada menos do que um golpe militar, sem qualquer participação do povo.

Esses surtos reacionários, que pretendiam uma volta ao passado, duraram, pode-se dizer, até 1930, quando houve a Revolução getulista. A partir de então veio o Estado Novo, a reimplantação da democracia em 1945 e a Constituição de 1946. A partir de então, ninguém falava mais em retorno à monarquia.

Eis que, não se sabe a razão, o tema voltou à tona durante as acaloradas discussões em torno da Constituição de 1988. Após estudos e aprofundados exames em inúmeras Comissões, passando finalmente pela Comissão de Sistematização e pelo Plenário, resolveu-se entregar o deslinde da questão – monarquia ou república – às mãos do povo.

E foi assim que durante a tramitação da nova Constituição o art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passou a dispôr: “No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País”.

Essa foi, sem dúvida alguma, uma das mais esdrúxulas novidades surgidas com a Constituição de 1988. Efetivamente, ressucitaram um debate que já estava enterrado e sepultado há muito tempo. Realmente, num país atolado em problemas de toda espécie, com mais da metade de sua população mergulhada nas trevas do subdesenvolvimento, não deixa de ser algo fantástico essa estravagante novidade, ou, pelo menos curioso.

Daí veio a Emenda Constitucional nº 2, de 25 de agosto de 1992, dispondo taxativamente: “O plebiscito de que trata o art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias realizar-se-á no dia 21 de abril de 1993. § 1º – A forma e o sistema de governo definidos pelo plebiscito terão vigência em 1º de janeiro de 1995. § 2º – A lei poderá dispor sobre a realização do plebiscito, inclusive sobre a gratuidade da livre divulgação das formas e sistemas de governo, através dos meios de comunicação de massa concessionários ou permissionários de serviço público, assegurada igualdade de tempo e paridade de horários”.

Esta foi uma das emendas que, segundo diziam porta-vozes autorizados, era exigida pela opinião pública, cuja aprovação seria indispensável, impostergável, inadiável, impreterível. Tratava-se de medida de grande interesse nacional.

Com efeito, no dia 21 de abril de 1993 procedeu-se ao plebiscito, para o qual a Justiça Eleitoral despendeu muitos milhões de cruzeiros (moeda da época). O resultado já é bem conhecido de todos: 44 milhões de eleitores optaram pela República, e só seis milhões e oitocentos mil votaram pela monarquia, registrando-se cerca de 15 milhões de votos em branco e nulos. Acontece que a fim de se apurar a vontade da Nação, houve gastos enormes, tanto para a organização do pleito como para a mobilização popular. E esse dinheiro, como não poderia deixar de acontecer, saiu dos cofres públicos. Tudo financiado pela União.

Custa a um pobre mortal compreender de onde se concluiu pela imperiosa necessidade e urgência dessa espantosa emenda nº 2. Isso talvez continue pela vida afora mergulhado no mais denso mistério, ou, passe a ser, pelo menos, uma dessas maravilhosas extravagâncias de juristas excêntricos.

Bem a propósito vem a poesia do nosso querido amigo José Carlos da Fonseca (o pai): “Brasil de meus arroubos adolescentes – de meus estremecimentos patrióticos – Pátria tão grande quanto as justas esperanças de teu povo. Que fizeram de ti, vasto país? incabível até mesmo nas crateras abissais, em que filhos insanos te querem projetar?”