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Barulho: e o próximo?

José enfrentava um câncer, que acabou por ceifar-lhe a vida. Tinha dores horríveis. Os únicos momentos de alívio vinham quando ele dormia. Aí resolveram fazer uma série de “shows” bem na frente do prédio dele. Durante quase todo o verão, a barulhada ia até uma da manhã. Acionada, a fiscalização informou nada poder fazer, pois o evento era promovido pela Administração. Pobre José!

Maria tinha acabado de dar à luz uma criança. São difíceis para os pais os primeiros dias de vida dos filhos – quando estes dormem é uma bênção! Mas aí montaram uma arena de espetáculos a uns 20 metros do prédio dela. O barulho ficou insuportável, e o bebê chorava o tempo todo. Foram quase 30 dias de sofrimento.

João teve um infarto. Seu filho saiu com ele às pressas para um hospital. O tempo urgia, pois a cada minuto as chances de sobrevivência eram menores. Eis que eles se depararam com um monstruoso engarrafamento – várias ruas tinham sido fechadas em um bairro residencial em função de um espetáculo musical. João morreu dentro do carro, no meio do engarrafamento.

Luiz precisava de seu carro para trabalhar. Mas aí fecharam a rua na qual ele morava, em função de um evento esportivo. Botaram uma cerca em frente à garagem dele. Luiz ficou vários dias impedido de sair com seu carro. Perdeu um bom dinheiro por causa disso. Pobre Luiz!

Mário padecia de insônia – o sono para ele era uma dádiva. Eis que um dado dia, lá pelas onze da noite, chegou à rua em frente de sua casa uma equipe para pintar faixas no asfalto. Ligaram um equipamento cujo ruído ultrapassa todo e qualquer limite legal, e lá ficaram até 02:30 da manhã. Mário chegou a descer de seu apartamento e pedir silêncio. Foi ignorado.

O sonho de Jonas era ter um carro novo. Trabalhou duro para isso. E eis que finalmente ele conseguiu estacionar um na garagem de seu prédio. Mas aí fecharam a rua dele, situada em um bairro residencial, para um espetáculo musical regado a muita bebida. Altas horas da madrugada, alguns participantes do evento, embriagados, saíram a destruir tudo o que viam pela frente. Depredaram fachadas, quebraram vidros – e arrebentaram o carro do Jonas, coitado!

Rita era médica. Ficava no hospital até as dez da noite. Ao voltar para casa descobriu que as ruas de acesso ao seu prédio haviam sido fechadas em função de um “bloco de Carnaval fora de época”. Rita teve que deixar seu carro estacionado em uma rua próxima e andar a pé uns três quarteirões para chegar em casa. No dia seguinte o que sobrou do carro dela chegou a ser fotografado pelos jornais.

Leonardo sofria de enxaqueca – por isso morava no oitavo andar de um prédio, buscando fugir do barulho. Mas aí autorizaram o fechamento semanal da rua dele para espetáculos de pagode. Ao final destes espetáculos, e apesar de cercados por prédios residenciais, os participantes disparavam rojões para o alto, que estouravam exatamente na altura do apartamento de Leonardo. Coitado dele!

Todos os episódios acima narrados são reais. Aconteceram pelo Brasil afora. Troquei nomes e omiti locais para proteger a privacidade das vítimas, mas já vi, ou soube, ou li sobre cada um deles. E é lamentável que tenham ocorrido em um país civilizado.

O Brasil tem 8.456.510 km² – é muito grande. Não dá para entender o motivo pelo qual alguns eventos tenham que ser realizados em locais residenciais, a poucos metros de edifícios inteiros, bloqueando ruas e causando transtornos por vezes sérios aos que ali residem (aliás, a vida é algo sério).

A diversão e os eventos festivos são maravilhosos. Podem e devem acontecer. Temos que estimulá-los e apoiá-los – desde que realizados em locais e horários corretos, de forma a não ferir o direito alheio.

O fato é que tem sido pouco observado, neste Brasil tão grande, um dos mais belos deveres do Cristianismo, qual o de pensar no próximo.