- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Bombas & culturas

Há poucos dias o mundo tomou conhecimento, apavorado, da explosão de 11 bombas atômicas, sendo 6 na Índia e 5 no Paquistão. Ou vice-versa.

O fato causou apreensões porque reaparece, sem dúvida alguma, o perigo de uma guerra nuclear, numa época em que, findo o conflito entre Estados Unidos e a extinta União Soviética, tudo parecia indicar que ingressávamos numa fase de paz e compreensão entre os povos, a perdurar através das próximas décadas, pelo menos.

Mas, o mais estranho em tudo isto é que, segundo registra a imprensa em geral, os Presidentes dos dois países são homens da mais elevada cultura. Ambos fizeram cursos nas Universidades inglesas: possuem Ph.D, mestrado, e portadores de importantes títulos honoríficos, conquistados mediante apresentação de teses e alentados trabalhos altamente especializados.

Ou seja: as bombas que explodiram na Ásia e abalaram o mundo não foram lançadas por selvagens atrasados do interior africano, nem tampouco por militares furibundos, ansiosos por guerra. Ambos os Presidentes são civis, oriundos das mais conspícuas esferas culturais de nossa época.

Isto nos faz lembrar o que constatamos atualmente em nosso país, no que se refere à legislação.

Estamos em plena temporada de reformas. São continuamente editadas novas leis, alterações à Constituição, medidas provisórias, decretos e regulamentos.

Em matéria penal, criou-se a prisão temporária; veio a lei dos crimes hediondos; a lei de proibição do porte de arma; criaram-se dezenas e centenas de novos tipos penais, abrangendo desde agressões à natureza, ao patrimônio público e, principalmente, combatendo o narcotráfico.

Na parte de direito civil, processual civil, previdenciário e trabalhista, foram introduzidas inúmeras modificações.

Acontece que toda essa parafernália só tem produzido efeitos contrários. Se não, vejamos:

  1. O crime aumenta assustadoramente. Vivemos num clima de insegurança total.
  1. Um novo Código de Trânsito que, sob o argumento de punir as centenas de motoristas que fazem desastres, dirigem bêbados e tumultuam a vida da cidade, acabou por atingir milhões de outros motoristas cumpridores dos seus deveres, atenciosos e zelosos respeitadores das leis.
  1. A lei proibindo o porte de arma veio dar direito à Polícia de revistar qualquer cidadão, a qualquer momento. Com isso, aí pelo interior são revistados carros e mais carros de cidadãos pacíficos, ordeiros, cumpridores dos seus deveres. São apalpados – homens, mulheres e crianças – para se verificar se possuem armas. Talvez os que menos sejam vistoriados e apalpados sejam os marginais e criminosos da pior espécie, porque, dada a sua periculosidade, os agentes da Lei ou tratam de ficar longe deles, ou não querem prendê-los, porque sabem que, se não fugirem da prisão, serão soltos imediatamente.
  1. A nova Lei Eleitoral exige que um simples diretor de empresa estatal se afaste do cargo 6 meses antes das eleições, sob pena de ficar inelegível; o vice-governador não pode assumir por um dia sequer, substituindo o Governador, nos seis meses que antecedem o pleito, sob pena de ficar inelegível. Enquanto isso, por incrível que pareça, o Presidente da República e os Governadores não precisam se desincompatibilizar, e permanecem no cargo durante toda a campanha eleitoral: nomeiam, exoneram, distribuem verbas, ocupam todos os meios de comunicação que quiserem, fazem e desfazem à vontade, deixando apenas para as costumeiras discussões na Justiça Eleitoral, se teria havido “abuso” ou não.
  1. Finalmente, para não nos alongarmos muito, foi criada uma nova Lei de Terrenos de Marinha, mediante a qual os proprietários dos chamados “terrenos de marinha”, que os adquiriram mediante autorização do Governo, tendo de se sujeitar a pagar um percentual de “laudêmio”, serão obrigados a readquirí-los da União, por preço a ser arbitrado pelas chamadas “autoridades competentes”.

A propósito, vale dizer que os chamados “terrenos de marinha” não existem em país nenhum do mundo – nem sequer em Portugal, de onde, dizem, é originário. E ninguém sabe sequer o que seja, na realidade, terreno de marinha, pois a lei fala duma “preamar máxima de 1831”, e a própria Lei não diz que “preamar” é essa (há terrenos situados a 4, 5, quilômetros, ou mais, do mar, que são considerados “terrenos de marinha”). O erro já começa quando menciona “o” premar, e, segundo o vocabulário ortográfico da lingua portuguesa, bem como os dicionários da nossa lingua – inclusive o Caldas Aulette, que é português – o certo é “a” preamar.

O mais espantoso e extraordinário disso tudo, entretanto, é que todas essas Leis aberrantes e teratológicas – e tantas outras mais – foram feitas num Parlamento cujo Presidente é um jurista emérito e respeitado, dotado de grande cultura jurídica, autor de vários tratados de Direito, especialista em Direito Constitucional: Deputado Michel Temer.

Isto nos faz lembrar Rousseau, quando clamava: “Deus Todo Poderoso, livrai-nos das ciências e das artes, e restitui-nos a inocência e a pobreza: únicos bens que podem trazer felicidade!”