- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Da democracia

A palavra “democracia” pode ser empregada em vários sentidos, ressaltando-se: a) como regime político; b) como forma de comportamento; c) como filosofia de vida.

Uns entendem que Democracia é o tipo de Estado em que, segundo a expressão cunhada pelos revolucionários franceses, há o governo do povo, pelo povo, e para o povo.

Outra corrente, entretanto, interpreta a democracia como forma de comportamento. Democracia, para os seguidores dessa linha de pensamento, é sinônimo de liberdade: liberdade de ação, liberdade de comportamento, liberdade de pensamento, liberdade de idéias, liberdade religiosa, liberdade de imprensa, etc.

Mas há também – “the last but not the least” – os que interpretam a democracia como uma espécie de filosofia de vida. Assim, por exemplo, o cidadão bem humorado, que trata todo mundo com lhaneza e cordialidade, costuma ser designado como “democrata autêntico”; aquele que é favorável à livre-empresa, contra a estatização da economia e defende a livre-concorrência, rotula-se como adepto da democracia econômica; o que luta pelas liberdades sindicais, direitos trabalhistas plenos, empregos, “women’s liberation”, liberdade sexual, é um social-democrata; o que é a favor das minorias raciais é “democrata” no sentido sociológico e integracionista do termo.

Alguns Estados submetidos a regimes ditatoriais terríveis, desumanos e cruéis, costumam ser carimbados de “democracias”. Basta recordar o exemplo das ex-Alemanhas. Antes da unificação, a Alemanha verdadeiramente democrática, onde o povo vivia livre no sentido exato do termo, chamava-se República Federal da Alemanha, enquanto a outra Alemanha, que permaneceu durante todo tempo sob ditadura atroz, inclemente e impiedosa, adotou o nome de República Democrática da Alemanha. Enquanto uma adotava democracia na prática, a outra tinha-a no rótulo.

E a História oferece-nos inúmeros casos semelhantes: Hitler, Mussolini, Stalin, Salazar, Franco, Getúlio Vargas, Peron, e tantos outros famosos ditadores de nossa época eram aclamados e louvados como “democratas”.

A Revolução de 64 foi desencadeada para restabelecer a democracia no Brasil. Na Rússia, o Sr. Boris Yeltsin fechou o Congresso e a Suprema Corte, para “salvar a democracia”, como foi anunciado logo em seguida pelo Sr. Bill Clinton, presidente dos Estados Unidos e demais líderes das democracias ocidentais.

Além disso, dentro da própria Democracia, surgiram: democracia direta e indireta, social e econômica, corporativista e participativa, republicana e monarquista, presidencialista, parlamentarista e de gabinete, etc.

Como se conclui facilmente que as interpretações em torno de democracia e democrata variam de cabeça para cabeça.

Seriam, a bem dizer, elementos essenciais, característicos da democracia: a) é o regime da maioria; b) respeito às manifestações das minorias, para que elas possam, com o passar do tempo, se tornarem maiorias – caso obtenham apoio popular; c) alternância no Poder, ou seja, mandatos por períodos fixos e determinados, proibindo-se, em certas hipóteses, até mesmo reeleição; d) garantia das liberdades públicas e privadas, ou seja, livre exercício dos direitos públicos e individuais.

Estabelece-se controvérsia em torno da interpretação e aplicação dos vários conceitos. Há, no entanto, unanimidade em torno de um ponto: democracia é o regime da maioria.

Na democracia as minorias são respeitadas. As minorias têm direito de voz e de voto, mas tem de prevalecer, sempre, a vontade da maioria.

Portanto, sem a prevalência da vontade da maioria não se pode falar em democracia.

Isso nos faz lembrar Talleyrand quando dizia, naquela época, que em política as palavras foram feitas para ocultar o pensamento! Entre falar em democracia e fazer democracia vai, inegavelmente, uma grande distância.