- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Da prudência

Logo após o início da sua colonização, em 1535, o Brasil, por ser uma colônia, só podia negociar com Portugal, que era sua Metrópole. Daqui saíam as matérias-primas, e de lá vinham os produtos industrializados. O que sobejasse, ou o que faltasse, era vendido, ou comprado em outros países.

Com a invasão da Península Ibérica pelas forças napoleônicas, após o decreto do bloqueio continental contra a Inglaterra, D. João VI, protegido pela Armada Britânica – a mais poderosa da época – veio refugiar-se em nosso País.

Em aqui chegando, os ingleses, interessados em comerciar conosco, pois dispunham de um parque industrial importante, cujos excedentes pretendiam lançar neste novo mercado, e ao mesmo tempo sonhavam em se abastecer com as fabulosas riquezas florestais e minerais da terra virgem e inexplorada, exerceram pressão sobre o monarca lusitano e forçaram-no a decretar a abertura dos portos brasileiros, a 9 de janeiro de 1808.

Em 1822, proclamada a Independência, o Almirante Cochrane e outros militares ingleses vieram nos ajudar na consolidação da nossa soberania. Mas ao mesmo tempo firmou-se um tratado garantindo os privilégios comerciais da Inglaterra.

Afastamo-nos politicamente de Portugal e passamos a girar sob a influência econômica inglesa, que era a maior potência militar daqueles tempos, após a derrota de Napoleão em Waterloo. Dava-se, assim, seguimento à política de Canning, Primeiro-Ministro britânico que entendia que a única fórmula capaz de colocar a América Latina em suas mãos era estimular a independência dos seus vários países, tanto de Portugal, como da Espanha. Raciocinava ele que seria humanamente impossível a Inglaterra espalhar seus exércitos conquistadores e dominadores pela imensidão deste continente. Seria muito mais prático, mais lógico e muito mais eficiente animar e entusiasmar o gentio para lutar heroicamente nas praias em defesa de sua “liberdade”, mesmo que essa liberdade fosse apenas aparente, pois no final não estaria havendo senão um novo tipo de colonialismo, que anos mais tarde passou a ser designado como “neocolonialismo”.

A partir de então, como a Inglaterra tinha interesse em nos vender aço, locomotivas e carvão, nosso sistema ferroviário ampliou-se. Nos princípios deste século possuíamos uma estrada de ferro ligando Nova Venécia a São Mateus; foi construída a Madeira-Mamoré, em plena selva amazônica; a Leopoldina, ligando Vitória ao Rio, Minas ao Rio e Rio a São Paulo, etc.

Passado algum tempo, mudando-se o eixo do poder na política internacional, os Estados Unidos queriam nos abastecer de petróleo – comprado dos árabes a preço de banana – asfalto e veículos automotores. Aí nosso transporte rodoviário expandiu-se. Chegamos ao ponto de mandar banha, por caminhão, do Rio Grande do Sul para Pernambuco e Pará. O consumo atingiu tal ponto, tanto em veículos de transporte como de passeio, que o Governo Federal teve que adotar medidas restritivas ao consumo.

Em todo mundo utiliza-se em primeiro lugar o frete marítimo; em segundo lugar o ferroviário; e só em terceiro lugar está o rodoviário, por ser o mais caro. Aqui nunca deixamos de fazer o contrário: colocamos em primeiro lugar o rodoviário, em segundo o ferroviário, largando o marítimo para meia dúzia de “chocadeiras” do Loide Brasileiro, que levavam três meses para ir do Rio de Janeiro a Salvador.

Quanto ao combustível, apesar de uma recomendação expressa emanada de um Congresso realizado em 1922, indicando ao Governo a necessidade de se estimular o plantio de cana e o uso do álcool como excelente fonte de energia, que nos tiraria da dependência dos fornecedores estrangeiros, passamos a executar o Pró-álcool, infelizmente abandonado quando já cerca de oitenta por cento de nossa frota só utilizava esse tipo de combustível. Com isso, é claro, foram amplamente beneficiados os nossos fornecedores de petróleo.

Agora, além disso, não custa relembrar que o mundo mudou, e a Inglaterra, após a segunda guerra mundial perdeu todo seu Império, passando a ser satélite dos Estados Unidos, que, com o desmoronamento da União Soviética, se tornaram “donos do mundo”.

E, vale lembrar Kissinger, repetindo Disraeli, o notável e pragmático ministro inglês, quando disse há pouco tempo em entrevista que “os Estados Unidos não têm amigos permanentes nem inimigos permanentes: têm interesses permanentes”.

Com a implantação das expedições punitivas a países desobedientes, e os chamados “bombardeios humanitários”, como temos visto recentemente, não se pode deixar de reconhecer que o momento exige muita prudência e cautela. A propósito, bem dizia Cervantes que “uma das características da prudência é que o que se pode fazer por bem, não se faça por mal”.