- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Da vingança

Desde os tempos mais remotos, mesmo na Grécia antiga, os maiores filósofos e pensadores vêm comentando e estudando a vingança, sua origem, suas causas, vantagens e desvantagens, e seus efeitos.

No meio das muitas teorias e observações, conclui-se atualmente, após estudos psicológicos e sociológicos, na confirmação das teorias do passado, que a vingança apresenta-se sempre com uma repetição permanente, através de fluxo e refluxo. Nunca teve nem terá qualquer justificativa, sob os pontos de vista moral e jurídico.

Só entra constantemente nas exposições de filósofos e penalistas, para fazer se mostrar como absolutamente desnecessária e inútil. As análises históricas confirmam que a justiça duma ordem social é proporcional a seu distanciamento dos processos e do espírito de vingança.

Antes de tudo, já está mais do que provado que a vingança é ineficaz. A contra-ofensiva do vingador, em vez de extinguir o conflito nascido duma primeira agressão, relança a violência. A vingança não deixa nunca de desencadear compensações e contra-compensações. Tem a capacidade de provocar, em ritmo incalculável e inesgotável, podendo ir até o infinito, novas vinganças.

Hegel, o grande filósofo alemão, já dizia que “a vingança torna-se uma nova violação do direito, e, por esta contradição, ela desencadeia um processo que prossegue indefinidamente e se transmite de geração em geração, sem limites”.

A vingança seria, assim, sem limites, incapaz de assegurar o equilíbrio entre agressão e reparação. O sentimento de cólera, que a anima, contrapõe-se à idéia de igualdade, inerente à justiça.

Para Sêneca a cólera é uma paixão “desregrada e indomável”, e “nunca haverá justiça sob o impulso de paixões cegas e descontroladas, sobre as quais não haveria nenhuma autoridade”.

Kant, por sua vez, define bem que só um tribunal exterior às partes pode validamente igualar, em qualidade e quantidade, dano e reparação.

Platão já dizia que “a punição não deve ter em vista a falta cometida, a menos que se atire, como uma besta-fera, a uma vingança desprovida de razão: aquele que tem a preocupação de punir inteligentemente não olha para o passado – porque o que foi feito, está feito – mas só vê à sua frente o futuro, a fim de que nem o culpado, nem as testemunhas de sua punição, sejam tentados a recomeçar”.

Nos tempos mais recentes, vamos encontrar idéias semelhantes expostas por Hobbes, Bentham, na Inglaterra, e, sobretudo, por Freud e Binding, na Alemanha. Todos criticam a Lei de Talião, do “olho por olho, dente por dente”, porque ela só seria justa se, no caso, se tirasse o olho do agressor, ou seu dente, e os colocasse na vítima, que os havia perdido na agressão. Como isso seria praticamente impossível, o “Jus talionis” não é outra coisa senão pura vingança.

Tudo isso nos vem à memória quando vemos o terrível sentimento de vingança que se apossou da grande nação norte-americana, a partir dos bárbaros atentados de 11 de setembro.

A violência praticada por meia dúzia de fanáticos suicidas e desequilibrados mentais vem desencadeando uma violência sem limites, a partir da agressão desmedida e absolutamente desproporcional contra uma população pobre, miserável e indefesa.

A propósito, vale transcrever os comentários do jornalista norte-americano William Safire, do New York Times (o maior jornal dos Estados Unidos):

“Mal aconselhado por um Secretário da Justiça frustrado e tomado por pânico, um presidente dos Estados Unidos acaba de adquirir o que na prática são poderes ditatoriais, que permitem prender e executar estrangeiros. Intimidados por terroristas e inflamados por uma paixão por justiça rudimentar, estão deixando George W. Bush substituir o Estado de Direito americano por cortes marciais fantoches”.

E acrescenta: “Em sua infame ordem executiva de emergência da semana passadas, Bush admite dispensar “os princípios da lei e as regras de evidência” que sustentam a Justiça dos EUA. Ele assume o poder de restringir as cortes e montar seus próprios “tribunais marciais” – grupos de oficiais que vão julgar não-cidadãos que o presidente precisa apenas dizer “ter razão para acreditar” que são membros de organizações terroristas”. Suas cortes fantoches podem ocultar evidências em nome da segurança nacional, criar suas próprias regras, considerar um acusado culpado mesmo que um terço dos oficiais não concordem e executar o estrangeiro sem direito a revisão do processo por qualquer tribunal civil”.

Se isso acontece na maior democracia do mundo, vale lembrar Bacon, para quem “a vingança é uma maneira de justiça selvagem”.