- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

De Maupassant

Guy de Maupassant foi, sem dúvida alguma, um dos grandes nomes da literatura francesa. Nascido em 1850, morreu em 1893, ou seja, com apenas 43 anos de idade. Deixou, no entanto, maravilhosa produção literária, destacando-se, sobretudo, suas poesias e contos.

Os temas por ele abordados possuem elevado sentimento humanístico, razão por que permanecem inesquecíveis através dos tempos.

De sua prodigiosa capacidade criadora, vale destacar a figura da “Bola de sebo”, na qual se inspirou Chico Buarque de Holanda para criar a castigada “Geni”, sobre a qual se atirava a culpa por tudo de ruim que acontecia.

Há um outro curioso relato de Maupassant que, pela sua impressionante atualidade, merece ser ressaltado.

Refere-se à história de um pobre infeliz que, tendo cometido um crime hediondo (para usar a terminologia vigente hoje em dia), após cuidadoso e meticuloso processo, submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, acabou condenado à morte. Seus recursos, apreciados pelos maiores, mais bem pagos e mais importantes magistrados do Reino, foram todos negados. Sua causa foi examinada e estudada por inúmeros juízes, Desembargadores e Ministros, sendo que finalmente os autos seguiram para o Ministério da Justiça, a fim de ser executada a sentença final irrecorrível.

O caso, por incrível que pareça, foi submetido ao Rei, porque S. Exa., o Sr. Ministro da Justiça, não sabia como se haveria de matar o condenado, pois naquele País não existia guilhotina, cadeira elétrica, câmara de gás, nem tampouco injeção letal, ou seja, qualquer dos instrumentos adequados utilizados pela penologia moderna.

Estudou-se a possibilidade de se comprar uma guilhotina na França. Pedido o orçamento e feitos os cálculos, chegou-se à conclusão que se gastaria, na época, cerca de 18 mil francos – quantia considerada exorbitante.

O Rei rejeitou a proposta, porque oneraria muito o orçamento público e aquele criminoso não valia sequer esse dinheiro. Além disso dever-se-ia considerar que além do custo da máquina, haveria os acréscimos de pessoal treinado, especialistas, etc.

Admitida a hipótese de um tiro na nuca ou fuzilamento, o Ministro da Justiça consultou as fôrças policiais e armadas de um modo geral, mas ninguém queria praticar tamanha barbaridade: tirar a vida de um homem, muito embora fosse um criminoso. A maioria, dotada de fortes convicções religiosas, repeliu, de plano, a idéia.

O preocupado Rei reuniu, então, seu Ministério, a fim de discutir sobre a melhor forma de se resolver o problema. Após muitos e acalorados debates, alguém sugeriu que se transformasse a condenação à morte em prisão perpétua.

Passou-se, então, a calcular os prós e os contras. O réu era homem de 30 e poucos anos, o que levava a crer que ainda teria uns 30 a 40 anos de vida.

Durante todo esse período, até à morte, teria que ficar numa cela vigiado, e o vigia, naturalmente, seria pago pelos cofres públicos. Havia, também, o custo da alimentação – café da manhã, almoço e jantar. E colchão, cama, cautelas e mais cautelas para se evitar a fuga. Além de remédios para a hipótese de doenças que seriam, sem dúvida alguma, adquiridas no ambiente fechado da cadeia.

O Rei mandou que fossem efetuados os cálculos acerca dos custos que tal condenação acarretaria. Os técnicos chegaram à cifra de mais de 30 mil francos. Isso tornou impraticável a idéia.

Foi aí que, após tantos problemas e tantas dificuldades, o Rei finalmente concluiu que todas as fórmulas apresentadas seriam onerosas para o Tesouro Nacional, que, além de perder um contribuinte, ainda teria que sustentá-lo.

Resolveu então que o melhor caminho seria dar uma pequena área de terra ao condenado para que ele tirasse dali o seu sustento, e de sua família, se desejasse se casar. E, através da agricultura e da criação de aves e animais domésticos, obteria o necessário para sua manutenção, vindo, ao mesmo tempo, a participar da vida econômica do País.

O Ministro das Finanças, homem pragmático e objetivo, imediatamente concordou com a idéia, porque, além de se livrar de um ônus para os cofres públicos, estaria conseguindo mais um contribuinte, porque aquele condenado teria que pagar os devidos impostos, sob pena de ter sua safra confiscada. Seria o caminho mais cômodo e eficiente.

Essa foi a solução adotada por aqueles sábios e experientes estadistas, juristas, intelectuais e penalistas.

Ficou provado, mais tarde, que o condenado mostrou-se excelente trabalhador; nunca mais cometeu qualquer crime; e, sobretudo, tornou-se excelente cidadão, corretíssimo pagador de impostos e obediente aos ditames da Pátria, porque, como dizia o saudoso Presidente Kennedy, “à Pátria tudo se dá, nada se pede – nem mesmo compreensão”.