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Do casamento

O casamento pode ser entendido, basicamente, em três sentidos: a) como instituição natural; b) como instituição contratual; e, c) como instituição social.

Platão via o casamento como uma instituição natural, pois, “na sociedade conjugal está o princípio e a origem de todos os Estados” (Leis, IV, 721a). Aristóteles entendia que a família era anterior ao próprio Estado, e, portanto, sua instituição mais importante.

O casamento passou a ser entendido pelo direito romano e pelo direito canônico como um contrato como outro qualquer, apenas exigindo-se que as partes contratantes sejam de sexos diferentes. Seu objetivo seria a procriação e educação da prole. São Tomás de Aquino, o grande Doutor da Igreja, via no matrimônio uma “associação ou comunidade de vida, com a união indivisível das almas” (Sumula, III, q. 29). Sua condição fundamental seria o consentimento, expresso solenemente, na forma da legislação civil e religiosa.

Como instituição social, os antropólogos e sociólogos têm encontrado nos diversos grupos humanos todas as formas possíveis de matrimônio: o de um homem e de uma mulher; de um homem e várias mulheres; de várias mulheres e um homem; de vários homens e várias mulheres. E, mais recentemente, de homem com homem e mulher com mulher.

Realmente, não se pode aceitar os conceitos antigos e dizer que a finalidade do casamento seria o relacionamento sexual e a procriação, considerando que:

  1. São bem comuns e normais casamentos de pessoas velhas, de idade avançada, incapazes totalmente de qualquer vida sexual ou de procriação.
  1. Há casamentos de doentes, gravemente enfermos, irremediavelmente condenados à morte, que como “última vontade”, fazem questão de celebrar essa união “perante Deus e perante os homens”. É o chamado “casamento in extremis”.
  1. Em muitos países, ainda, a noiva é “vendida” pelos pais ou seus familiares, só conhecendo o noivo no dia da celebração do casamento, não se considerando se existe, ou não, possibilidade de relacionamento sexual – nem sequer social – entre os nubentes.
  1. Existem casamentos por procuração, entre pessoas que nem sequer se conhecem pessoalmente. Muitas vezes apenas criam o vínculo legal. Em seguida não terão qualquer espécie de relacionamento, entre si.

Antigamente não era permitido, nem pela Lei, nem pela Igreja, o casamento entre pessoas de classes sociais diferentes; ou com índios e africanos. Em muitos países ainda não se admite casamento entre brancos e pretos; ou entre pessoas de raças diferentes.

Hoje em dia, entretanto, a regra geral é não se estabelecer qualquer restrição a esse respeito: casam-se pobres com ricos, ricos com pobres, nobres com plebeus, brancos, pretos, amarelos, albinos, etc., entre si. Antigamente reis, príncipes e lordes mantinham relações sexuais com brancas, negras, amarelas, índias, plebéias, escravas, etc., com as quais constituíam famílias e tinham filhos – só não podiam se casar.

Não se pode dizer, tampouco, que a finalidade do casamento seja o apoio – moral, familiar, ou econômico. Tanto assim que já foram registrados inúmeros casos de casamentos com pessoas presas. O cidadão, trancado numa cadeia, muitas vezes condenado a muitos anos de prisão, não pode prestar asssistência alguma à sua esposa.

Elementos fundamentais no casamento têm sido, sempre, o consentimento e o propósito de união por “toda a vida”. Como se vê, o casamento, atualmente, no nosso País, é um contrato como outro qualquer, com a única diferença, que só pode ser celebrado entre pessoas de sexos diferentes. Nada mais do que isso.

No tempo dos romanos o casamento era celebrado pela autoridade religiosa, diante de dez testemunhas, revestido de inúmeras formalidades, dentre as quais os nubentes partiam e comiam um bolo de trigo. Talvez o bolo da noiva seja a única coisa que resta, entre nós, hoje, dessa espécie de casamento.

Diante desses raciocínios e desses registros históricos, fica difícil entender a razão de toda essa celeuma que se faz, atualmente, em torno do casamento entre homossexuais. Pois, como dizia Hegel, fator essencial para o casamento é a unidade ético-sentimental. O notável filósofo alemão enfatizava que o matrimônio não é essencialmente união meramente natural, bestial, nem um simples contrato civil, mas “uma união moral do sentimento, no amor e confiança recíprocos, que faz de duas pessoas uma só pessoa” (Filosofia do Direito, § 162).