- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Do concurso para juiz

Sempre houve, no concurso para Juiz do nosso Tribunal, a chamada prova de “Conhecimentos Gerais”. Eram submetidas aos candidatos 10 perguntas. Se não acertasse cinco delas, estava automaticamente eliminado.

Com isso, muitos Advogados, embora dotados de brilhantes conhecimentos de Direito, ficaram reprovados e deixaram de se submeter às provas sobre matéria jurídica, tão-só e exclusivamente porque não souberam responder, por exemplo:

  1. que o nome de Montesquieu era Charles de Secondar, Barão de La Brède e de Montesquieu;
  1. que o nome de Voltaire era François-Marie Arouet;
  1. que Tristão de Ataíde era o pseudônimo literário de Alceu de Amoroso Lima;
  1. que os persas foram vencidos pelos gregos na batalha de Maratona, 490 anos antes de Cristo;
  1. que o Império Romano foi dividido em Império do Oriente e Império do Ocidente no ano 395;
  1. que Tancredo Neves foi Ministro da Justiça de Getúlio Vargas;
  1. que as guerras Púnicas não foram entre Roma e a Grécia, nem tampouco entre a Grécia e Cartago, mas entre Roma e Cartago.
  1. que a Enciclica “De rerum novarum” é de autoria do Papa Leão XIII;
  1. que o nome de Lenin era Vladimir Iliitch Ulianov;
  1. que a mãe de Aníbal Barca foi acusada de não ser virgem quando se casou com Amilcar Barca.

Sempre consideramos verdadeiro absurdo serem feitas tais exigências num concurso para Juiz. A meu ver, só seriam admissíveis se houvesse um livro ou pelo menos um manual, com cerca de 100 ou 200 questões sobre temas considerados de “conhecimentos gerais”, das quais o examinador selecionaria as 10 do concurso. Aí o candidato teria uma orientação para estudar e se preparar.

Julgávamos um disparate inominável sair recolhendo aleatoriamente, sob meros critérios subjetivos, fatos da História Universal, da História do Brasil, das artes, da ciência, da literatura, para aferir o nível cultural do candidato.

Depois de muitos anos de luta, enfrentando forte e pertinaz reação, finalmente conseguimos retirar do concurso essa parte confusa e, sob todos os títulos, injustificável.

A partir do atual concurso, suprimiu-se a famigerada prova de “conhecimentos gerais”, que tanto atormentava e prejudicava os candidatos. De acordo com opinião há muitos anos defendida, procuramos elaborar uma prova em que o candidato apenas tinha que apresentar um nível “mínimo” de conhecimentos no chamado “provão” (o provão nada mais é do que um teste, cuja aprovação permitirá ao candidato prosseguir no concurso e participar das provas de Direito).

Sempre concordamos com o ponto de vista de Unamuno, quando dizia que o Juiz precisa ser honesto, humano, de bom senso, equilibrado, justo, e, se possível, dotado de conhecimentos jurídicos.

Foi impregnado dessas idéias e orientado por esses objetivos que, com a colaboração de membros da Banca, elaboramos uma prova mais ou menos acessível a todos que tivessem pelo menos um nível médio de cultura jurídica. As questões versavam apenas sobre temas de Direito. Nada mais. Perguntas elementares de Direito.

O resultado espantou todos aqueles acostumados aos concursos rigorosos, cheios de armadilhas e perguntas capciosas, em que num universo de 400, 500 candidatos, só passavam 20 ou 30. Neste último “provão”, de um total de 600 candidatos, foram aprovados 292, ou seja, ao redor de cinquenta por cento.

Quase que o mundo veio abaixo: “é um absurdo tão elevado número de aprovações”, “houve fraude”, “só pode ter havido vazamento das questões”, etc.

Estabeleceu-se um escândalo público de tais proporções que o Tribunal, em boa hora, decidiu anular a prova, mandar que fossem feitas as apurações acerca da denúncia de fraude, e reiniciar o concurso.

Esperamos que o concurso, agora sob nova orientação e sob novas luzes, continue mantendo as portas abertas para tantas legítimas vocações de Juiz, que outrora foram desperdiçadas por exigências inconcebíveis na época atual.