- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Do Estatuto da Cidade

Um dos maiores acontecimentos da História da Humanidade foi, sem dúvida alguma, a Revolução Francesa, de 1789, cujos ideais obtiveram rápida aceitação, e os princípios enunciados na “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” foram logo incorporados às constituições de todos os povos cultos do mundo.

A partir dela surgiram no Direito Constitucional: limitação dos poderes do Estado, igualdade ante a lei, liberdade pessoal, inviolabilidade do domicílio, direito ao juiz legal, proibição de Tribunais de exceção, inviolabilidade da propriedade privada, liberdade de religião, sigilo da correspondência, livre manifestação de opiniões, liberdade de reunião.

Mas eis que, logo após a Revolução comunista de 1917, em janeiro de 1918 o Congresso Pan-Russo proclamou a “Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado”, incluída posteriormente na Constituição de 1O de julho de 1918, da República Soviética Russa.

Criou-se, então, uma concepção socialista ou “bolchevista” de Estado. Seus idealizadores diziam que o Estado “liberal-burguês” até então existente era apenas um meio de domínio capitalista da propriedade privada, razão por que resolveram instituir um novo tipo de Estado, e decretaram: a abolição da propriedade privada sobre o solo, riquezas minerais e águas, fábricas e bancos, etc.

Tudo isso nos vem à memória quando verificamos que a Lei Federal 10.257, também designada “Estatuto da Cidade”, promulgada pelo Sr. Presidente da República aos 10 de julho último, e que, na forma do seu artigo 58, entrará em vigor a 10 de outubro vindouro, ou seja, 90 dias após sua publicação, contém coisas curiosas e interessantes, que merecem ser ressaltadas.

Logo de início, em seu artigo 5º, cria a figura do “parcelamento, edificação ou utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado”.

Isso, em poucas palavras, quer dizer mais ou menos o seguinte: o Prefeito sai pelas ruas de seu Município e seleciona áreas onde entende que o solo, sob o ponto de vista do “interesse público”, não se acha devidamente utilizado, ou não houve construção alguma nele, ou, mesmo havendo construção nele, ela não está adequada aos “objetivos sociais”.

Aí S. Exa., o Sr. Prefeito Municipal manda notificar o proprietário do imóvel para providenciar o “parcelamento” do terreno, ou construir algo no terreno, de acordo com os limites do Plano Diretor Urbano, ou utilizar esse terreno para outra finalidade qualquer, que, no seu entender, é mais compatível com o “interesse público” e os “objetivos sociais”.

Essa notificação do Prefeito é averbada no Cartório de Registro de Imóveis, razão por que a partir daí a obrigação de fazer ou deixar de fazer fica vinculada ao imóvel.

Notificado, pessoalmente ou por edital, o proprietário conta com o prazo de um ano para protocolar projeto na Prefeitura, a fim de sanar a irregularidade. Aprovado o projeto, disporá do prazo de dois anos para iniciar as respectivas obras, ou melhor, para atender às exigências do Prefeito.

O artigo 6º da citada Lei prescreve literalmente que: “a transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5º desta Lei, sem interrupção de quaisquer prazos”.

E, “em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos” (art. 7º).

Findo esse prazo peremptório, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, “com pagamento em títulos da dívida pública”.

Esses títulos da dívida pública serão resgatados “no prazo de até dez anos”, e “não poderão ser utilizados para pagamento de tributos” (art. 8º, § 3º).

Como no decurso de dez anos o Prefeito não será sempre o mesmo, havendo, como é natural, alternância no Poder, não custa a entender que, de acordo com a realidade brasileira, muitos não resgatarão os títulos, que ficarão amontoados nas prataleiras da Prefeitura como “restos a pagar”, e, no final de contas essa falada “desapropriação” não foi nada mais nada menos do que simples confisco. Apenas e tão-somente mero confisco.