- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Do penicídio

A variedade de órgãos e membros que, coordenadamente ou não, entram em jogo nas múltiplas funções genitais, especialmente as de reprodução e gozo sexual, podem ser classificadas em dois grupos: órgãos genitais externos, contituídos pelo pênis e os dois testículos, e órgãos sexuais internos ou acessórios, como os condutos e vesículas seminais, escroto e próstata.

Alguns consideram o pênis órgão acessório, mero condutor dos produtos seminais ao aparelho receptor feminino, dada a possibilidade de substituição por meios cirúrgicos ortopédicos ou simplesmente pela fecundação artificial, razão por que essenciais seriam unicamente os dois testículos, onde efetivamente se produz a decisiva função geradora dos espermatozóides ou gametas machos.

A amputação do pênis, com a integral subsistência dos testículos, não acarreta, necessariamente, a incapacidade procriadora, nem a esterilidade, embora possa privar de todo prazer sexual, e é designada penicídio ou castração.

No Brasil não existe o crime de “castração”, tal como acontece na legislação de vários países. Do nosso Código Penal não consta esse tipo penal. Por conseguinte, tanto cortar o pênis quanto qualquer agressão aos órgãos sexuais (masculinos ou femininos) confirguram o crime de lesões corporais.

Lesões corporais nos órgãos sexuais masculinos podem ser de várias modalidades:

  1. O indivíduo fica machucado, sente dores terríveis, mas continua com a capacidade de ereção, bem como com a de geração. É machucado, sofre, mas, passado algum tempo, continua mantendo relações sexuais normais, e pode gerar filhos.
  1. Perde a capacidade de ereção. Ou porque teve o pênis cortado (penicídio) ou foi lesionado de tal maneira, que, embora o membro tenha permanecido inteiro, sofreu incapacidade definitiva para atingir a rigidez e possibilitar a cópula normal.
  1. Perde a capacidade generativa. Ou seja: o membro permanece com a capacidade normal de ereção, estando apto para relções sexuais, mas devido à lesão nos testílos ou outras regiões do aparelho sexual, não pode mais gerar filhos.
  1. Perde a capacidade de ereção e de geração.

As lesões, por conseguinte, dependendo das circunstâncias, podem ser leves, graves ou gravíssimas, estando capituladas no artigo 129 (e seus incisos e parágrafos) do Código Penal, cujas penas vão de três meses (mínima para a lesão corporal leve) a oito anos (máxima para a lesão corporal gravíssima).

No caso de penicídio, pode acontecer.

  1. a) Reimplanta-se o órgão e a vítima, teoricamente, está apta para relações sexuais normais. Abstraindo-se os problemas psíquicos daí decorrentes, aparentemente o órgão readquire a plenitude de sua funcionalidade.
  1. b) Não readquire a atividade sexual normal, mas, com o advento das modernas técnicas de inseminação artificial, continua podendo gerar filhos.
  1. c) A reimplantação não obtém êxito, ou só obtém êxito parcial, razão por que utiliza-se a prótese, dando relativa funcionalidade ao órgão. De qualquer forma a capacidade de gerar filhos permaneceu intacta.

Admitindo-se a hipótese do nº 4 (lesões corporais gravíssimas), a pena prevista no Código Penal é de dois a oito anos (art. 129, § 2º).

Como a pena mínima é de dois anos, trata-se de crime afiançável, razão pela qual o agente, mediante o pagamento de fiança, é imediatamente colocado em liberdade, podendo permanecer solto até sentença final irrecorrível.

Se, por ser primário, sem antecedentes criminais, etc., for condenado à pena mínima – dois anos de prisão – terá direito a “sursis”, ou seja, poderá cumprir a pena em liberdade.

Tudo isso, se for maior, ou seja, se contar com mais de 18 anos de idade.

Se se tratar de um menor de 18 anos, entretanto, a situação é completamente diferente: o menor não é preso, é internado. Fica na mesma cela de uma prisão, só que não é “cela”, é “instalação”, razão por que qualquer um pode passar por ali e dizer ao menor trancafiado, “você não está preso. Não se sinta preso. Você está internado nessa instalação de estabelecimento educativo”. Fica difícil para o menor entender se a diferença é para melhor ou para pior, e, nessa dificuldade, trata de fugir na primeira oportunidade possível.

O Juiz decreta esse internamento do menor, por prazo máximo de três anos (Lei 8.069/90, art. 121, § 3º). Nesse período ficará sujeito a avaliações periódicas, “no máximo a cada seis meses” (art. 121, § 2º), razão por que tão logo, a critério do Juiz, seja constatado que melhorou, poderá ser posto logo em liberdade, ou, segundo considere melhor, mediante suas observações e dos peritos, após um ou dois anos de internamento. Ou mesmo ficar até o último limite legal.

Isto porque menor não está sujeito a pena, mas, sim a medida de segurança. Nosso Código Penal diferência: pena para os maiores e capazes – medida de segurança para os menores de 18 anos e incapazes (loucos, ébrios, toxicômanos, etc.).

Na medida de segurança existe a esperança de redirigir, dirigir, moldar os espíritos e os caracteres; com esta esperança, o dever de trabalhar; o dever, enfim, de preparar o futuro, de formar os jovens delinqüentes para a vida. De modo que a medida de segurança, sem perder seu caráter repressivo exigido pela Justiça, deve ser apropriada às exigências duma tal situação, organizada de maneira que o elemento de correção domine. Não se trata de atenuação apenas, mas, sim de uma maneira completamente diferente de atuar jurídico-penalmente.

O Juiz considera a necessidade de aplicar medida de segurança, a fim de submeter o menor, em seu próprio interesse, a medidas que preparem também seu futuro, por uma educação moral e pelo aprendizado dum trabalho profissional. Não se poderá proceder, é verdade, a essas medidas senão por via de coação: com relação aos pais, cuja autoridade será afastada; coação com relação ao menor, que será privado judicialmente de sua liberdade.

Em resumo, no rumoroso caso ocorrido aqui, em Vitória, se o autor do crime fosse maior, já estaria solto há muito tempo, mediante pagamento de fiança. A juíza Isabela, determinando a medida de segurança, agiu estritamente dentro da Lei 8.069, de 14 de julho de 1990 (Estatuto de Criança e do Adolescente).

Isso talvez sirva para iluminar um pouco o entendimento de tantos que, equivocadamente, entendem que o mencionado Estatuto veio criar um regime de impunidade para os menores.