- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Dos Códigos

Contam a história de um Imperador da Áustria (se não me engano, Francisco José) que determinou a seus auxiliares que preparassem um Código Penal. Queria uma lei perfeita. Foram recrutados juristas, jurisconsultos, propedeutas e especialistas das ciências jurídicas, constituindo-se uma Comissão de Elaboração do Código Penal, composta dos maiores nomes, nacionais e internacionais, que representavam na época a nata dos entendidos nas ciências penais.

Ao fim de alguns anos, submeteram ao Imperador o projeto de um Código, com 1.200 artigos. Sua Majestade convocou uma reunião do Ministro da Justiça e outros luminares da Corte. Discutido o projeto, foram apresentadas inúmeras lacunas e pontos a serem explicitados, razão por que a matéria foi devolvida à Comissão. A Comissão reexaminou tudo e supriu todas as falhas e deficiências, terminando por submeter ao Imperador novo Projeto, desta vez com 2.300 artigos.

Restabelecida a discussão, surgiram outras observações e novas críticas, exigindo maior abrangência e a inclusão de outros tipos penais. O Imperador mandou que a Comissão reexaminasse o assunto. A Comissão, então, elaborou um projeto de Código Penal com 3.800 artigos.

Após novas idas e vindas, o projeto, chegou a ultrapassar os quinze mil artigos. Aí, o Imperador achando que uma Lei tão longa criaria confusão e perplexidade entre seus súditos, partiu no sentido inverso, mandando suprimir artigos e mais artigos, até chegar a um Código resumido de 200 e poucos artigos.

Essas dificuldades assaltam todos aqueles que se preocupam em legislar sobre crimes e penas. Um fato pode ser crime hoje, e não o ser amanhã, e vice-versa.

Houve uma época em que ter filho “natural”, ou seja, fora de uma união matrimonial, era crime gravíssimo. Como ainda não havia pílula anticoncepcional, milhões de mães solteiras morreram na fogueira, condenadas por uma conduta que hoje tem sua legalidade reconhecida até mesmo por via constitucional.

Voltaire comenta que as moças, naquela época, rezavam para Nossa Senhora da seguinte maneira: “Ó virgem concebida sem pecado, fazei com que eu possa pecar sem conceber”.

Dados os obstáculos, quase intransponíveis, de se fazer um Código suficientemente abrangente e resumido, no que se refere à legislação penal, há, hoje em dia, no mundo todo, três modelos: 1. o dos países que adotam um Código Penal; 2. o dos países que dispõem de inúmeras leis penais isoladas, regulando as diversas matérias. Possuem, no máximo, uma “Consolidação”, juntando toda essa legislação esparsa; e, finalmente, 3. o dos países onde se aplica o chamado Direito Costumeiro, ou seja, são regidos e disciplinados pelas decisões dos Tribunais (precedentes judiciais), com base nos usos e costumes, sem Códigos.

Estados Unidos, Inglaterra e outros países de origem anglo-saxônica, não têm Código Penal. O único Estado norte-americano que possui Código Penal, é Nova York.

O Brasil seguiu o modelo francês, instituído a partir do Código de Napoleão.

Não se pode dizer que essa seja a prática adotada na maior parte do mundo. Absolutamente. Em todo o bloco chamado “comunista”, onde preponderavam as teorias marxistas e leninistas, sempre se aplicou o chamado “direito socialista”, que independe de Códigos e Leis escritas, mas tão-só e exclusivamente da “realidade histórica”, representada nos “interesses sociais”. Segundo os teóricos dessa espécie de Direito, a gravidade do crime está no “clamor público”: quanto maior a repercussão na sociedade, mais severa e rigorosa deverá ser a punição.

Juntando-se a área do direito socialista à área do direito costumeiro, chegamos à conclusão que mais de dois terços da população mundial não dispõem de Código Penal.

Nosso Código Penal data de 1940. Muitos países têm Códigos de 1840, 1850, e outras datas do século 19. Uns enfrentam alta taxa de criminalidade, outros, taxas de criminalidade baixíssimas.

Surgem-nos à mente esses raciocínios quando vemos que, entre nós, diante do quadro pavoroso com que nos defrontamos alguns, muitas vezes imbuídos de toda boa-fé, jogam a culpa no “anacronismo da nossa legislação penal”.

Diante de uma criminalidade altíssima, falta de prisões, fugas das prisões, multi-reincidência, insegurança total, desaparelhamento das nossas Polícias, etc., políticos e teóricos, leigos e jejunos na matéria, chegaram à conclusão, por incrível que pareça, que a solução está na elaboração de um novo Código Penal. Enquanto isso, em muitos países, dos mais civilizados e mais ricos do mundo (com Estados Unidos à frente, onde há apenas uma simples “Carta de Princípios” de vinte e poucos artigos), não há sequer Constituição, e nem por isso deixam de crescer e se desenvolver.