- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

É dando que se recebe

São Francisco de Assis, em momento de rara inspiração, cunhou aquela que talvez seja a mais bela passagem de sua eterna oração: “é dando que se recebe”. Talvez esteja aí, nestas singelas palavras, a salvação de um mundo insensível aos miseráveis, pelos quais quando muito sente pena – que não custa nada, mas que também não vale nada.

Meditei muito sobre isso há poucos dias, lendo os resultados de uma interessante pesquisa realizada em Uganda, um daqueles países ricos açoitados pela pobreza de seu povo – uma combinação, convenhamos, meio difícil de entender. Eis que um grupo de estudiosos selecionou, ao acaso, um grupo de vinte jovens habitantes de pequenas vilas do interior do país. Cada um deles recebeu, sem quaisquer exigências, conselhos ou seja lá o que for, US$ 400. Só isso, e nada mais do que isso.

Realço, para máxima clareza, que este dinheiro foi entregue uma única vez a cada um daqueles jovens, e em espécie. Receberam o dinheiro, e pronto! A partir daí os pesquisadores acompanharam de longe, sem interferências, o desempenho deste grupo em comparação com o restante da sociedade na qual estavam inseridos. Após dois anos e meio, os resultados obtidos foram absolutamente surpreendentes.

Vamos começar pela dedicação ao trabalho: o grupo que recebeu os US$ 400 trabalhou, nos dois anos e meio seguintes, nada menos que 17% mais que o restante da população. Em função do maior esforço, já ganhavam 50% a mais que seus conterrâneos. É realmente estarrecedor: uma doação única de US$ 400 levou-os a trabalhar 17% a mais e a conseguir vencimentos 50% superiores!

Os próprios pesquisadores não souberam dizer por quantos anos este efeito perduraria, ou mesmo explicá-lo plenamente – mas ei-lo lá, a gritar para nossos governantes que, ao final das contas, “é dando que se recebe”!

Projeto mais extenso foi realizado na Índia, desta feita importando em doações regulares – sempre feitas em dinheiro vivo. Também lá, ao final de dois anos, os resultados foram surpreendentes: o grupo que participou investiu mais em educação, saneamento e saúde. A partir daí, foi mera consequência adoecerem menos e progredirem mais na vida. Simples assim!

Atentos aos ensinamentos que estas duas experiências proporcionaram, os suíços já estão dando os primeiros passos rumo à implementação de um sistema de renda básica no país. Li que em agosto de 2013 concluíram a coleta de assinaturas necessárias a um referendo sobre a ideia – nada menos que 110 mil cidadãos manifestaram, por escrito, a vontade de que este tema seja discutido de forma ampla por toda a população.

E eis que, na vanguarda do pensamento mundial, uma lei brasileira já institucionalizou tal política. Trata-se da lei nº 10.835, do já distante ano de 2004, de iniciativa do senador Eduardo Suplicy, dispondo ser “direito de todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos cinco anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício monetário”.

Este benefício “deverá ser de igual valor para todos, e suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde, considerando para isso o grau de desenvolvimento do País e as possibilidades orçamentárias”.

Eis aí um caminho notável – canalizar-se uma parte da riqueza nacional para que as pessoas possam investir em si mesmas. Afinal, é dando cidadania que se recebe um país melhor.