- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

eBurocracia

Dizem alguns que a salvação da administração pública está na utilização intensa e extensa dos recursos tecnológicos. Na modernização. Na Internet. Dia desses, após quase três décadas dando expediente no sistema judicial, meditava sobre esta tese.

Manuseei um processo criminal, daqueles ainda de papel. Notei que um Juiz de Direito viu-se forçado, por conta de nossas leis, a repetir praticamente todos os depoimentos colhidos na Delegacia de Polícia, com imenso gasto de tempo e de recursos materiais e humanos. A informática resolverá isso? Claramente, não.

Reparei que em dado momento houve necessidade de anexar-se ao processo uma dada informação constante de um outro, em tramitação por um juizado que fica no mesmo andar, lá no final do corredor. Vejam só que coincidência: respondia por ambos o mesmo Juiz de Direito – que, entretanto, por força de lei, enviou um ofício a ele mesmo pedindo que informasse a si próprio sobre o andamento daquele outro processo. Posteriormente, deferiu para si o que a si pedira e enviou para ele mesmo um ofício com a resposta, acrescentando polidamente, ao final, que sempre estará à disposição de si próprio quando dele ele precisar. Computadores resolverão isso? Não! Aliás, um “email” para si próprio é infinitamente mais humilhante que um ofício para si próprio.

Fui à janela. Contemplei as repartições públicas do meu país – aquelas que tem todos os nossos dados em seus sistemas digitais, mas insistem em pedir aos infelizes mortais que por lá comparecem um certo “comprovante de residência” – na verdade uma conta qualquer emitida por empresas privadas! Assim, quem não tiver contas a pagar em seu nome não mora em lugar nenhum, e talvez nem exista – seja um mero zumbi, afinal. A tecnologia resolverá isso? Claro que não.

E foi assim, de exemplo em exemplo, que concluí estarmos implementando, ao final das contas, quase que apenas a virtualização da burocracia – ou seja, criando uma “eBurocracia”.

Sou um conhecido entusiasta da tecnologia – aos 12 anos de idade já redigia programas de computador. É com esta legitimidade que, após uns 30 anos de carreira na burocracia estatal, posso afirmar: a maior reforma que a administração pública deste país precisa não é de seu parque tecnológico – é de sua mentalidade provinciana e patrimonialista.