- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Eles só querem trabalhar

Anoitece. Em Munique (Alemanha), na Marienplatz, as pessoas se aglomeram em volta das casinhas que comercializam deliciosos sanduíches de lingüiça, os conhecidos “bratwürst”. Em Tóquio, os japoneses se reúnem nas barraquinhas que vendem saborosos salgadinhos de polvo, o popular “takoyaki”. Em Nova York (Estados Unidos), milhares param nos carrinhos que vendem cachorro-quente. Eis aí um comércio legalizado, fiscalizado, e que ajuda a não deixar “morrer” o centro das grandes cidades.

Aqui no Brasil é diferente. As pessoas até gostariam de se aglomerar em volta de barraquinhas, legalizadas e fiscalizadas, que vendessem churrasquinhos e quitutes diversos. Mas nem sempre conseguem – ora os vendedores estão fugindo da fiscalização, ora acabaram tendo seus materiais apreendidos e não puderam aparecer.

Em Munique, Tóquio e Nova York a população tem prazer em passear pelas bem-iluminadas e animadas ruas do centro da cidade. No Brasil as pessoas passam às pressas, abraçando seus pertences, com medo dos assaltos que a falta de movimento traz.

Os resultados são óbvios: em Munique, Tóquio e Nova York empregos foram gerados e as praças e ruas foram devolvidas à animada população que as freqüenta com prazer. No Brasil só restam os “programas de revitalização das áreas centrais”, no mais das vezes reduzidos a espetáculos ocasionais ou ações passageiras que não abordam o ponto central do problema: a total falta de opções diárias de lazer.

Basta um mero olhar para o centro das cidades brasileiras e perceber que ali, além de lojas e escritórios, estão milhares de edifícios residenciais, nos quais moram milhões de pessoas. No entanto, tão logo escurece todas se trancam dentro de seus apartamentos, vítimas da insegurança que a falta de movimento e de opções traz. Isto poderia ser diferente. As famílias poderiam descer com suas crianças e seus animais de estimação para passear e saborear algum petisco em barraquinhas legalizadas e fiscalizadas pela Saúde Pública.

Infelizmente, este ainda é um sonho distante para os brasileiros. Aquele que quiser vender churrasquinhos ou quitutes à noite em alguma praça dificilmente conseguirá autorização – mero “ambulante” que é, terá que trabalhar na clandestinidade, sempre fugindo da fiscalização. Eis como se transforma um chefe de família em um semi-bandido! Esta é a dura realidade: nosso aparato burocrático sequer legaliza quem quer simplesmente trabalhar em paz.

Recentes cálculos demonstraram que 60% da mão-de-obra do Brasil está no setor informal. Isto é uma vergonha. São quase todos brasileiros honestos, que acabam na ilegalidade por conta de nossa cegueira gerencial.

Vamos a outro exemplo: em Gent (Bélgica), Veneza (Itália), Sydney (Austrália), Yokohama (Japão), Bonn (Alemanha), e tantas outras cidades, a atividade dos “catraieiros” é reconhecida e estimulada pelos governos – isto atrai turistas, movimenta riquezas e cria empregos. Dá gosto ver as pessoas andando nos barquinhos e apreciando as belezas naturais daqueles países. Aqui no Brasil temos alguns dos mais belos litorais e rios do mundo. Qual foi a última vez que você passeou de bote com sua família por eles? Não se lembra? É porque o Brasil se esqueceu deles.

Na Suíça as famílias fabricam relógios-cuco em casa e os vendem – o Governo estimula isso. Na Alemanha e Áustria, esculturas em madeira. Na Itália, peças de cristal. Na França, objetos de porcelana. No Japão, artesanato de madeira. Na China, de seda. São bilhões de dólares movimentados, com total apoio dos governos. No Brasil, a indústria do artesanato tem 8,5 milhões de pessoas, que geram 2,3% do PIB (para fins de comparação, a indústria automobilística gera 3%). E como é difícil vender algo aqui! No máximo temos algumas feirinhas de final de semana, e olhe lá!

Diante destes exemplos, não seria bom sonharmos com um Brasil que reconheça e estimule o esforço e a criatividade dos seus filhos? Afinal, eles só querem trabalhar…