- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Estoicismo

Registra a História que lá por volta dos quatrocentos anos de Cristo apareceu na Grécia, dentre outras escolas filosóficas, uma, fundada por Zeno, chamada Estóica. As teorias de Zeno se expandiram até Roma, sendo que um dos seus maiores seguidores, lá, foi Sêneca.

Os estóicos pregavam a indiferença e o desprezo frente ao sofrimento e a dôr. Para eles, todas as espécies de males físicos seriam instrumentos de purificação da alma. Consideravam o corpo como mera prisão da alma, cuja libertação, após a morte, dava início à verdadeira vida. Achavam inútil ao homem, com suas fraquezas e misérias, lutar contra o mal.

Os adeptos do estoicismo, portanto, deviam ficar impassíveis perante a desgraça e a adversidade, suportando, indiferentes e sobranceiros, as arremetidas do destino.

Isso nos vem à lembrança quando presenciamos os últimos acontecimentos envolvendo a área policial.

Há, no nosso País, inúmeras espécies de Polícias: polícia civil e polícia militar; polícia federal, polícia ambiental, polícia de fronteiras, polícia marítima, polícia fazendária, polícia rodoviária federal, polícia rodoviária estadual, e, ainda, como se tem visto ultimamente, Polícias Municipais e polícias privadas. Polícias para todos os gostos.

Infelizmente, entretanto, tantas Polícias não exercem uma atividade comum de combate ao crime. Não há sequer entrosamento dentro dos próprios organismos policiais. Basta dizer que a televisão há poucos dias estampou o comportamento de um Policial que, ao ser abordado na rua por uma pessoa que acabava de ser assaltada, simplesmente respondeu: “Sou policial músico – apenas toco na banda. Serviço de prender bandidos cabe a outros”. E a pobre vítima, decepcionada e triste, ficou lamuriando no meio da rua.

Um ponto em comum, entretanto, existe relativamente a todas as Polícias: todas estão desaparelhadas para o combate à criminalidade moderna e os membros de todas elas recebem pagamentos insuficientes e ridículos.

Assim, enquanto o crime organizado campeia e domina despreocupado e feliz, porque seus integrantes – chefes e subalternos – são pagos a peso de ouro, recebendo até adiantado, nossos Policiais recebem mal, e, pior ainda, seus vencimentos sofrem constantes atrasos.

Esta é a triste realidade das nossas Polícias.

Lembro-me muito bem que certa ocasião, quando era Ministro da Justiça o saudoso jurista e ex-senador Milton Campos, estourou uma rebelião de funcionários civis e militares em Minas Gerais. Foi aí que o Governador dirigiu-se ao Ministro e lhe disse: “Exa., a situação está caótica. Os grevistas estão, inclusive, mediante violência, ocupando prédios públicos”. Aí o Governador perguntou: “O que V. Exa. sugere?” E o Secretário respondeu: “Sugiro que V. Exa. requisite forças do Exército e composições ferroviárias, despachando para lá, sem demora, um trem com pelo menos dois pelotões armados, para restabelecerem a ordem”.

A sábia resposta do Ministro Milton Campos, dada com a maior tranquilidade, ficou registrada na História. Disse S. Exa.: “Não seria melhor e mais prático despachar um trem pagador? Em vez de tantos soldados, podíamos mandar apenas o tesoureiro com o dinheiro para colocar em dia o pagamento?”

Esse caso nos vem à memória quando vemos o clima que está se instalando no País com tantas greves e agitações na área da segurança pública. Há Estados onde a Polícia Militar não recebe há dez meses, ou seja, além dos salários insignificantes, ainda se sujeitam a ficar com o pagamento atrasadíssimo. Na quase totalidade dos Estados os soldados, ainda que tendo que executar missões dificílimas, muitas vezes arriscando a própria vida, sujeitam-se a salários miseráveis, vergonhosos, insignificantes, incompatíveis com a importância das relevantes tarefas que exercem, em benefício da paz pública. .

Ora, é inadmissível e incompreensível que esses homens fiquem impassíveis e indiferentes, suportando tranquilamente tantos sofrimentos, tanta humilhação. Suas famílias ficam meses e anos passando privações e dificuldades de toda espécie: na alimentação, na educação, na saúde e na doença.

E, por incrível que pareça, diante de um quadro espantoso – e até mesmo surrealista – como este, surge agora, como reforma inadiável, imprescindível e impostergável, a reformulação, ou até mesmo extinção das Polícias Militares, ou criação de outra instituição, com outro nome. Ou seja: não se procura resolver o problema, mas apenas adiá-lo ou camuflá-lo, porque a Polícia, seja lá qual for seu nome (Guarda Civil, Exército do Povo, Guarda Pretoriana, etc.) é indispensável para a ordem social (e o exemplo ficou patente durante as greves das Polícias Militares, especialmente a de Pernambuco).

Napoleão dizia que “a arte da polícia é não ver o que é inútil que ela veja”. E a esta altura, tudo indica que querem que a Polícia considere inútil ver o baixo nível de seus salários e os pagamentos atrasados (aliás, se é para não pagar, esses salários já deveriam até mesmo ter sido aumentados).

Tudo leva a crer que o que se está exigindo da Polícia ultrapassa os limites da lógica e do bom senso – os policiais, além de disciplinados e obedientes, têm que ser estóicos, ou seja, não apenas se conformarem com o sofrimento, mas gostarem dele.