- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Lei e justiça

Se o Estado é realmente apenas uma instituição saída do contrato social para utilidade e vantagem da sociedade, como soma dos indivíduos, há somente uma razão de justificação para todas as normas do Estado, e, por conseguinte, também para suas normas penais: é a utilidade das mesmas para a sociedade e para os indivíduos. A pena torna-se meio para a segurança e bem estar da sociedade. A modernamente chamada pena de segurança, não é de fato uma pena – porque perdeu qualquer nexo com o dolo.

Na França, até antes da Revolução, os condenados eram marcados a ferro e fogo, de modo que, andando pelo mundo, fossem facilmente identificados. Hoje pretende-se exatamente o contrário: que todo e qualquer estigma da condenação desapareça.

A preocupação da penologia moderna é colocar o criminoso acidental frente à intimidação, o “novo delinquente de profissão”, frente à emenda, o delinquente habitual, frente à não periculosidade. O objetivo comum da pena modificou-se completamente, dirigindo-se a um fim ressocializador. Com isto o conceito de pena caiu, e três medidas inteiramente diferentes, são designadas com a mesma palavra.

A dignidade da pessoa humana, que não permite que o homem seja confundido com os objetos dos direitos reais, proibe se procurar outros fins para a pena. Assim, como define Kant, a lei penal é um imperativo categórico, e, “é melhor que um homem morra do que todo povo se perca, pois que se a justiça perece, não há mais nenhum valor para que os homens vivam sobre a terra!”

A prisão e as demais medidas, cujo efeito é separar o delinquente do mundo exterior, são aflitivas pelo fato de que despojam o indivíduo do direito de dispor de sua pessoa, ao privá-lo da liberdade. Portanto, salvo em referência às medidas de separação, justificadas, ou à preservação da disciplina, não deve o sistema penitenciário agravar os sofrimentos inerentes à situação do preso.

O fim e a justificação das penas e das medidas privativas da liberdade são, definitivamente, proteger a sociedade contra o crime. Só se alcançará este objetivo se se aproveitar o período de privação de liberdade para conseguir que o delinquente, uma vez libertado, queira não somente respeitar a lei e prover suas necessidades, mas também ser capaz de fazê-lo. Para lograr este propósito, o regime penitenciário deve empregar, tratando de aplicá-los conforme as necessidades do tratamento individual dos delinquentes, todos os meios curativos, educativos, morais, espirituais e todas as formas de assistência de que possa dispor.

O tratamento dos condenados a uma pena ou medida privativa de liberdade deve ter por objetivo na medida em que a sanção o permita, incutir-lhes a vontade de viver conforme a lei e manter-se com o produto de seu trabalho, ensejando-lhes a aptidão correspondente. Este tratamento destina-se a fomentar neles o respeito de si mesmos, desenvolvendo-lhes o sentido de responsabilidade.

Para atingir esse propósito, deverá recorrer-se, em particular, à assistência religiosa, nos países em que for possível, à instrução, à orientação e à formação profissionais, aos métodos de assistência social e individual, ao assessoramento relativo a emprego, ao desenvolvimento físico e à educação do caráter moral, em conformidade com as necessidades individuais de cada recluso. Deve ter-se em conta seu passado social e criminal sua capacidade e aptidões físicas e mentais, suas disposições pessoais, a duração da pena e as perspectivas para depois da libertação.

A respeito de cada recluso condenado a uma pena ou medida de certa duração que ingresse no estabelecimento remeter-se-á ao Diretor, o quanto antes, um relatório completo sobre a personalidade do recluso. Este relatório será acompanhado do informe de um médico, se possível especialzado em psiquiatria, sobre o estado físico e mental do preso.

Os relatórios e demais documentos pertinentes formarão expedientes individuais. Estes expedientes serão mantidos em dia e serão classificados de maneira que o pessoal responsável possa consultá-los sempre que seja necessário.

Tudo isso faz parte das “Regras mínimas para o tratamento dos reclusos” fixadas pela ONU – itens 56-59, 65-66.

O Juiz, na execução penal, tarefa na qual deverá permanentemente olhar, não para o crime nem para o criminoso, mas para o homem, deve ter sempre em mira as célebres palavras de Radbruch: “O direito deve se prolongar para fora de nós mesmos, para que o façamos coincidir com a realidade, de acordo com as necessidades de sua aplicação ao caso concreto. Por isso a jurisprudência nem sequer tem princípios estáveis e critérios universais; umas vezes pedirá à própria lei, a letra do texto, ou interpretando-a pelo espírito que guiou o legislador; outras vezes abandonará a lei, para invocar os princípios que estão de certo modo consagrados pela doutrina, e até os sentimentos naturais de equidade, que todos os homens se orgulham de possuir”.