- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

O brasileiro é um lutador

Sete horas da manhã. Em Paris, a avenida Champs-Elysées dorme – nesta hora, nem um café se consegue por lá. Na Praia da Costa, porém, já se pode comprar uma boa água de coco: o Veloso está a postos, assim como seus colegas de comércio – o Baiano, o Carro do Coco e tantos outros.

Oito horas da noite. Em Londres, os donos de bares estão expulsando os fregueses a poder de badaladas de sino nas orelhas ou pouco simpáticos avisos – é hora de ir embora. Na Praia da Costa, porém, o Veloso, o Baiano, o Carro do Coco e seus colegas ainda atendem a todos com simpatia mesmo após uma jornada superior a doze horas – profissionais exemplares de uma classe sacrificada mas digna, merecedora de nosso aplauso.

Ao vê-los trabalhando tanto, fiquei a pensar na frase “o brasileiro é um feriado”, que tanto se enfiou pela goela abaixo de nosso povo. “Quem trabalha é o 1º Mundo”, sentencia-se. Fomos convencidos disso. Esta é uma verdade aceita. Quem a contesta é imediatamente olhado com desdém.

Podem me olhar assim, pois eu contesto esta “verdade”. Vamos aos números: um recente estudo apurou que na Holanda trabalha-se, em média, 1.200 horas por ano. Na Noruega, 1.300. Na França, 1.500. Nos Estados Unidos, 1.800. E aí aparece o Brasil, com 1.900 horas. Não somos líderes – na Coréia do Sul, por exemplo, chegou-se a 2.400 horas de trabalho por ano – mas estamos longe do rótulo de “preguiçosos”.

Se trabalhamos tanto, e em um Brasil tão rico, qual a razão desta pobreza que nos humilha? Comecemos pela produtividade: segundo a Organização Internacional do Trabalho, em 2001 cada brasileiro empregado produziu, em média, apenas US$ 14.297, contra US$ 59.081 dos norte-americanos e US$ 41.420 dos japoneses. Aqui mesmo, na América Latina, o trabalhador do Chile rende duas vezes mais: US$ 28.406.

Resumindo: o brasileiro trabalha muito, mas rende menos do que poderia. Por que isso? Arrisco uma resposta: temos problemas sérios de saúde e de mentalidade.

Sobre a saúde, já falamos nesta coluna (artigo “Um solo pobre e um pobre povo”) – em função da baixa mineralização do solo tropical, um brasileiro médio não supre sequer 1/3 das necessidades diárias de vitaminas e sais minerais estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde. Esta seríssima deficiência alimentar nos traz doenças, aposentadorias precoces e evidentemente perda de eficiência.

Sobre a mentalidade, merece destaque nossa repulsa à tecnologia. A verdade é que nos preocupamos muito pouco com a modernização. Por exemplo: um estudo feito pela Universidade de São Paulo constatou que nossa construção civil desperdiça 56% do cimento que consome! Um outro estudo, da Universidade de Pernambuco, chegou a um desperdício de 9% de aço, 16% de tijolos e blocos e 20% de nosso bem mais precioso: o tempo.

A conclusão é óbvia: deveríamos construir prédios com maior tecnologia, para podermos construí-los mais rapidamente e em maior número, gerando mais empregos e riquezas. Mas nossas empresas não recebem meios para isto, e continuamos quase sempre com nossos métodos “bíblicos” de construção.

Este quadro é nacional: nossa agricultura é pouco mecanizada, 70% do que produzimos é transportado de caminhão (ainda resistimos aos trens e navios), e é assim, de exemplo em exemplo, que chegamos ao desperdício de incríveis 40% do Produto Interno Bruto.

Em contraste, 70% do que o governo dos Estados Unidos gasta com pesquisa e desenvolvimento vai para as empresas do setor produtivo – a busca por uma melhor tecnologia de produção é prioridade nacional. Eis um exemplo a ser seguido.

Assim, a culpa pela pobreza do Brasil não é dos mais humildes. Estes têm feito a sua parte nas fábricas, no campo e no comércio – se mais não têm produzido, é porque não recebem meios de sustento e de produção adequados. Ao trabalhador brasileiro, pois, fica a nossa homenagem: ele é um lutador!