- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

O desperdício de alimentos e a fome

Quando da comemoração dos 70 anos do jornal A Tribuna, na Câmara de Vereadores de Vitória, foram exibidas as capas de diversos exemplares antigos. Uma delas, a do dia 2 de fevereiro de 1987, me chamou especialmente a atenção por duas notícias. A primeira: “Hortigranjeiros sobem 100%”. A segunda: “Estado perde 20% de grãos por falta de armazenagem”. Interessante, esta combinação de notícias – uma apontando o desperdício de alimentos, e a outra o aumento dos preços destes.

Isto me fez lembrar de uma pesquisa que havia lido no já distante ano de 1999, segundo a qual “o desperdício de alimentos do Brasil representa quase 20 vezes a verba anual disponível para a merenda escolar e daria para alimentar 30 milhões de pessoas carentes”.

Três anos depois, em 2002, divulgou-se que “há 23 milhões de miseráveis no Brasil, pessoas com renda insuficiente para prover 75% das suas necessidades calóricas. Nesse mesmo país, 39 mil toneladas de comida vão para o lixo todo santo dia, o suficiente para dar café, almoço e jantar a 19 milhões de pessoas”.

Ainda naquele ano, um outro estudo constatou que “só 39% da produção agrícola vira comida no prato de alguém. O resto fica pelo caminho. A perda é de 15% na indústria, 8% no transporte e armazenamento, 20% no plantio e na colheita, 17% com o consumidor e 1% no varejo”.

Veio o ano de 2003, e o assunto continuou sendo tratado: “de acordo com a assessoria de imprensa da CEASA, em Campinas, são desperdiçadas 400 toneladas de hortifruti por mês”. Calculou-se que até 30% da produção de tomate é desperdiçada, e a EMBRAPA descobriu que o Brasil desperdiça 40% das bananas e morangos que planta, 30% das melancias, 26% dos abacates, 25% das mangas, 22% das laranjas, 21% dos mamões, 20% dos abacaxis, 50% da produção de couve-flor, 45% da de alface e 35% da de repolho.

Estes dados chocam. Enquanto isso, o tempo foi passando e chegamos a 2004, quando novos estudos foram feitos. Constatou-se, então, que “o Brasil é um dos países onde mais se joga comida fora. O desperdício de alimentos chega a 40% do que é produzido. Nos Estados Unidos, a perda não passa de 10%”. Quanto à agricultura, descobriu-se que 44% da colheita se estraga antes de chegar à mesa do consumidor. Chegou-se, na época, a um número surpreendente: cada brasileiro come 35 kg de hortaliças por ano, e nossa ineficiência joga no lixo 37 kg por habitante no mesmo período. Um horror!

Veio 2005. O IBGE apurou que em 2003 o Brasil produziu 51,5 milhões de toneladas de soja, mas perdeu 3,5 milhões de toneladas só com a péssima estocagem pós-colheita. Alcançamos 2006, ano em que, segundo a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, desperdiçamos R$ 12 bilhões em alimentos. Afirmou-se que “esse desperdício representa 1,4% do PIB nacional e daria para alimentar 8 milhões de famílias carentes por um ano, com cestas básicas mensais no valor de um salário mínimo”.

Mas o tempo continuou a passar. Chegamos ao ano de 2007, no qual foi realizada nova pesquisa sobre este tão urgente e importante problema. Eis a conclusão: “cerca de 30% dos alimentos produzidos no Brasil vão parar no lixo, sem qualquer chance de aproveitamento”.

E foi assim que chegamos a 2008, ano em que a ONU/FAO constatou que no Brasil “quase 64% do que é plantado termina no lixo”. Poucos dias depois da divulgação deste inacreditável número, o Banco Interamericano de Desenvolvimento alertou para o fato de que “mais de 26 milhões de pessoas podem cair na extrema pobreza na América Latina caso não sejam tomadas medidas para atenuar os altos preços dos alimentos”.

Pronto! Eis aí, perfeita e acabada, a reprodução daquela capa de A Tribuna do já distante 2 de fevereiro de 1987, retratando o desperdício e a alta de preços dos alimentos. Já se passaram mais de 20 anos, e o problema continua o mesmo! Talvez já tenha passado da hora de prestarmos mais atenção às palavras de Roberto Campos, segundo quem “o mundo será salvo muito mais pela eficiência do que pela caridade”.