- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

O nosso canudão

Você já ouviu falar de Ian Calderon? Trata-se de um parlamentar norte-americano. Há algum tempo ele apresentou um projeto de lei segundo o qual quem entregasse a clientes de restaurantes canudos de plástico que não tivessem sido solicitados estaria sujeito a até seis meses de prisão e multa. O infrator já sairia de seu estabelecimento algemado, rumo a alguma penitenciária. Segundo este parlamentar, os EUA consomem, diariamente, 500 milhões de canudos de plástico – que acabariam indo poluir o meio-ambiente de forma grave, dado não serem biodegradáveis.

De início registro que qualquer iniciativa que busque acentuar a consciência ecológica das pessoas é saudável – e fique isto bem claro. Claríssimo, até. Mas, dada a realidade que vivemos, algumas reflexões se fazem necessárias.

Comecemos pelo número “500 milhões de canudos por dia”. De onde veio ele? Acreditem: de uma criança de nove anos de idade, que em 2011 telefonou para alguns fabricantes de canudos e decidiu fazer projeções. Incrível: isto “viralizou” e virou verdade aceita!

Mas vá lá que seja! Tomemos como correta esta estimativa. Foi a partir dela que um jornalista norte-americano fez uma conta interessante: 500 milhões de canudos por dia seriam 182,5 bilhões por ano. Como cada canudo pesa em média 0,4 grama, estaríamos a falar de 73 mil toneladas métricas de plástico por ano – ou apenas 0,2% do total de plástico gasto nos EUA a cada ano, estimado em 30 milhões de toneladas métricas. Isto, conclui o jornalista, tomando-se como base a estimativa inflada feita por uma criança de nove anos de idade.

Este quadro é, assim, um alerta. Vivemos na época dos profetas que apregoam riscos mil e dos salvadores e suas medidas invariavelmente duras que os evitariam. Repito: não é de se desprezar qualquer preocupação que possa significar um avanço para a humanidade. Não é de se criticar aqueles que, de boa fé, as expõem – muito pelo contrário, sejam louvados.

Não podemos, porém, e eis aí a lição maior a ser extraída, deixar que este quadro retire de pauta nossos maiores e mais sérios problemas – que acabam passando ao largo, quase que desapercebidos. Do minério que respiramos aqui em Vitória ao lixo eletrônico depositado na África, não percamos nunca de vista nossos “canudões” enquanto tratamos dos canudinhos.