- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

O “plea bargaining”

Em vários países do mundo, notadamente Estados Unidos, existe um instituto jurídico a que se deu o nome de “Plea Bargaining”.

Trata-se de uma faculdade conferida pela lei ao Ministério Público, permitindo-lhe fazer acordos com os réus, transigir, desistir da ação penal, e até mesmo conceder-lhes imunidade para que os mesmos confessem detalhes de crimes, apontem cúmplices, chefes, planos, etc.

O exercício dessa faculdade tem sido de grande utilidade no que se relaciona à descoberta das ações do chamado crime organizado. O promotor “barganha” com um dos réus presos e garante deixá-lo isento de pena ou assegura-lhe inúmeras vantagens e favores legais em troca de revelações que comprometam os “cabeças” e líderes da quadrilha.

Esse instituto jurídico não existe no Brasil. A nova Constituição, não obstante ter demonstrado notável preocupação para com o Ministério Público, ampliando-lhe a faixa de direitos e prerrogativas, infelizmente esqueceu-se desse importantíssimo aspecto.

Aqui, muito embora se diga no jargão forense que o Ministério Público é o “dominus litis”, ou seja, o senhor da ação penal, isso no entanto, não passa de construção semântica, porque exerce ele a função de oferecer a denúncia nos crimes de ação pública incondicionada e nos de ação pública condicionada, em que ocorre a representação do ofendido.

Havendo motivos e fundamentos suficientes, isto é, apresentados os pressupostos legais, o promotor público não pode discricionariamente deixar de agir, sob pena de responsabilidade funcional e criminal (CP, artigo 319).

O promotor não tem, no nosso país, o poder de “barganhar” com o acusado, e através negociações, por razões de conveniência da própria justiça ou por relevante interesse público, deixar de promover a ação penal.

Ademais, uma vez desencadeada a ação penal não pode desistir dela. Mesmo na hipótese em que a pena não venha mais a surtir qualquer efeito, como por exemplo por ter sido o réu acometido de doença incurável ou apresentar-se totalmente reabilitado. De todo modo o processo tem que ir até o fim e só pode acabar com a sentença do juiz.

Isso nos vem à mente, a propósito desses freqüentes casos de seqüestro que tem havido no nosso país. Geralmente o criminoso toma uma vítima por refém, impondo condições. A vítima suplica que sejam aceitas essas condições oferecendo-se meios de fuga aos criminosos e dando-lhes a impunidade. Ou a família pode que a polícia não intervenha, para não colocar em risco a vida do refém, até que seja pago o resgate.

Nessas ocasiões temos visto delegados, promotores e até mesmo juízes combinarem e fazerem acordo com os seqüestradores.

Isso entretanto, convém frisar, é totalmente à margem da lei. São crimes de ação pública incondicionada, em que a autoridade é obrigada a intervir de ofício independentemente de qualquer provocação da vítima.

Nem o delegado, nem o Ministério Público, nem o juiz tem o poder legal de renúncia à perseguição penal.

Naquela hora dramática, porém, as autoridades agem sob tremenda pressão social, psicológica e até política. Ainda há poucos dias, num caso ocorrido em Goiás, vimos que o próprio governador do Estado interveio para arranjar helicóptero e dinheiro para os seqüestradores. A população de todo país acompanhava angustiada pela televisão o desfecho daquele terrível episódio que culminou com a fuga e impunidade dos responsáveis.

Vê-se nitidamente que nessas ocasiões a opinião pública ergue-se uníssona contra as autoridades que não queiram ceder às exigências dos infratores, ou seja, estabelece-se uma revolta geral contra aqueles que queiram, efetivamente, cumprir a lei.

A sociedade coloca a segurança da vítima muito acima do simples cumprimento de uma legislação anacrônica e meramente formal.

Cremos que já estaria bem na hora de se procurar encarar com seriedade esse problema, buscando-se urgentemente uma solução, ou pelo menos introduzindo-se na legislação a figura jurídica do Plea Bargaining que inegavelmente já está existindo na prática.