- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

O problema do mundo das leis

A grita é geral: o mundo das leis não funciona bem. A maior reclamação é contra a morosidade. Ninguém aguenta mais levar anos a fio para receber uma simples resposta que seja.

No que toca às causas, o primeiro culpado de plantão é sempre a escassez de juízes. Eis aí um discurso que sempre impressionou. Eu o escuto desde que iniciei minha caminhada pelo mundo das leis. Já o ouvi em auditórios da Ordem dos Advogados e salas de sessão do Ministério Público e do Poder Judiciário.

E eis que dia desses descobri, finalmente, um tribunal no qual nunca faltaram juízes. Aliás, este é um tribunal único, que sempre teve mais juízes do que réus. Ao longo dos seus 14 anos de funcionamento, ele teve 34 juízes e apenas 27 réus – dá mais ou menos 1,25 juiz para cada réu.

Estes juízes, aliás, recebem uma remuneração exemplar. Cada um deles ganha, anualmente, em torno de 300 mil Euros – absolutamente livres de impostos. Dá cerca de R$ 57 mil por mês – valor líquido, recorde-se. Eis aí um salário que claramente garante, e com sobra, aquela independência necessária a qualquer julgador.

Mas voltemos ao nosso país. Nele, um outro responsável permanente pela ineficiência atende pelo nome de “falta de recursos”. A lógica é singela: se faltam recursos, os trabalhos realizados evidentemente ficam prejudicados. Simples assim.

Este argumento, igualmente histórico, me trouxe novamente à memória o tribunal ao qual me referi. Nele não há problema de dinheiro. Nos últimos 14 anos foram gastos, lá, nada menos que US$ 1 bilhão. Sim, um bilhão de dólares norte-americanos.

E vejam que este tribunal já está de mudança. Uma nova sede, ao custo de 200 milhões de Euros, está sendo construída. Planeja-se algo lindo: um emaranhado de torres que abrigarão toda a estrutura que compõe um órgão julgador.

Eis aí, sem sombra de dúvidas, um tribunal perfeito, no qual não faltam juízes ou recursos. São 19 julgadores com um orçamento anual de 110 milhões de Euros – um quadro de dar inveja a qualquer administrador tupiniquim.

A instituição que acabei de descrever é o Tribunal Penal Internacional, que funciona na cidade de Haia, na Holanda, há 14 anos. Ele foi fundado em 1998, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas, para processar, julgar e condenar todos aqueles autores de crimes praticados contra a humanidade.

Pois é. Sabe quantos processos este tribunal julgou desde a sua criação? Nenhum! Zero! Nada! Absolutamente nada! Parece incrível, mas após 14 anos e US$ 1 bilhão gastos, não se tem notícia de um julgamento sequer!

Quanto aos réus, conforme anotei, foram 27 em todo este tempo. Todos eles africanos! Esqueça Guantánamo, os voos da CIA pela Europa e os casos de tortura e graves violações aos direitos humanos denunciados na China e Rússia. Apague da memória os bombardeios ocidentais que mataram crianças. Descontado tudo isso, somente restaram processados no Tribunal Penal Internacional 27 africanos.

Eis aí algo para se pensar: lá não falta dinheiro, mas sobra ineficiência; não há carência de juízes, mas há excesso de impunidade. Como explicar-se isso? Existiria aí alguma relação com o fato de que nunca, em nenhum lugar do planeta, o “mundo das leis” funcionou bem?

É por conta de fenômenos assim que a cada dia que passa, e quanto mais envelheço, começo a dar mais e mais razão a Giuseppe Bettiol, quando exclamou que “direito é a expressão da vontade dos mais fortes”. É isso que precisamos mudar. Afinal, mais forte há que ser o povo!