- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

O templo divino

Eram três crianças, de um, seis e sete anos. Foram resgatadas em pleno inverno de 2019, nas águas gélidas do Mar Mediterrâneo, quando tentavam chegar à Europa em uma tosca embarcação que ameaçava naufrágio. Fugiam do horror que flagela o norte da África – muito dele, segundo consta, promovido por interesses econômicos ocidentais.

Duas semanas se passaram. E lá estavam aquelas crianças, entregues aos rigores do clima. Vomitando continuamente, já ameaçavam entrar em um quadro de hipotermia e desidratação. O barco que as resgatou, de reduzidas dimensões e operado por voluntários, não dispõe de recursos suficientes para tratá-las.

A “via crucis” destes pequeninos será, no entanto, ainda muito longa! E assim porque o desembarque deles simplesmente não é autorizado na Europa – nem o deles, nem o dos outros 29 seres humanos que as acompanhavam em uma fuga desesperada da fome e da guerra.

Diante das denúncias de organizações de defesa dos direitos humanos, a tratarem este caso como um “recorde de vergonha”, iniciou-se o que chamaríamos aqui no Brasil de “jogo de empurra”: os países vão “empurrando” a responsabilidade pelo acolhimento daqueles imigrantes entre si. Enquanto isso eles vão ficando por lá, no mar, sacolejando e tiritando.

Há, evidentemente, aqueles cujo flagelo é encurtado – morreram pelo caminho. Em 2018 foram 2.262 deles – apenas no mar. Mas esta não foi a sorte daqueles três pequeninos seres. Cumpria-lhes viver.

Outras crianças já conseguiram desembarcar. Algumas foram presas em prisões de adultos. Outras, encaminhadas a campos de refugiados – muitos deles sob condições precárias. Há, ainda, as que venderam seus corpos em uma tentativa de sobrevivência – enquanto outras foram abusadas por pedófilos a troco de nada. Seja símbolo desta situação a atitude de alguns europeus filmados enquanto jogavam moedas para crianças imigrantes famintas só pelo prazer de vê-las se digladiando.

Mas voltemos às três crianças que ainda sofrem no mar. Eu não sei seus nomes – afinal, pequenos seres miseráveis sequer nome tem. Talvez algum dia consigam chegar à Europa. E lá crescerem em paz. Aí terão o privilégio de poder contemplar, naquele continente, as mais belas catedrais que a humanidade jamais construiu, retrato da fé, grandeza e misericórdia de toda uma raça.