- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Onde fica o Yemen?

A humanidade tem acompanhado, não sem preocupação, a dura luta das mulheres na Arábia Saudita. Ameaçadas até de prisão, ei-las pelas ruas reivindicando, em pleno século XXI, o prosaico direito de dirigir um automóvel – só isso, e nada mais do que isso!

É realmente curiosa, a humanidade: já foi à Lua, prepara-se para ir a Marte, mas ainda convive com a triste cena de algumas de suas filhas sofrendo humilhações dos mais variados tipos por conta de preconceitos os mais absurdos.

Ser curioso que sou, lancei-me a uma pequena pesquisa em busca de outros exemplos de discriminação. Em poucos minutos descobri que na Índia algumas regras de segurança no trânsito não se aplicam às mulheres – especificamente aquela que trata da exigência do uso de capacete para quem trafega a bordo de motocicletas. Tradução: as leis de trânsito consideram objeto digno de proteção os homens, e nem tanto as mulheres – que, aos milhares, perdem a vida ou a integridade física em acidentes acontecidos a cada ano. A justificativa para esta diferenciação chega a ser cínica: capacetes estragariam penteados e maquiagens!

Prossegui em meus estudos, para constatar que no Marrocos vítimas de estupro podem ser acusadas… pelo crime de que foram vítimas! Assim, pobre da mulher que saiu de casa sem a companhia do marido, ou estava pelas ruas em companhia de um homem com o qual não tinha relações de parentesco – em caso de estupro, arrisca-se a ir para a cadeia!

Minha escala seguinte nesta fascinante viagem pelo planeta seria a própria Arábia Saudita: acredite, as mulheres de lá apenas conseguiram direito a voto a partir de 2015, graças a um decreto real datado de 2011.

Em seguida, cheguei ao Yemen – um caso à parte, digno de reflexão apurada. Para início de conversa, naquele país mulheres não podem ir às ruas sem a permissão de seus maridos, salvo em situações de comprovada emergência – urgências médicas envolvendo os pais, por exemplo.

Talvez todas estas restrições encontrem seu perfeito resumo em uma outra lei do mesmo país, segundo a qual uma mulher não é reconhecida como uma pessoa completa diante de um tribunal. Assim, por exemplo, o depoimento de uma mulher apenas é digno de pleno reconhecimento quando confirmado por um homem.

É este o ponto que gostaria de abordar: o da meia-cidadania, o da meia-humanidade. Lá está, escrito nas leis bárbaras daquele país, algo que nossa sociedade não expressa, mas que frequentemente pratica: a redução das mulheres a uma condição menor.

Coloque-se, por um instante, na situação de uma vítima de violência doméstica – principalmente no interior distante. Esta, padecendo no corpo e na alma, não raramente encontrará as portas do mundo das leis inacessíveis – ora por conta da falta pura e simples de estrutura compatível sobre o solo de um país tão rico, ora em função da muralha que um olhar de deboche constrói.

Em seguida vá às ruas. Olhe, com olhos de ver, quantos atos de intimidação e desrespeito uma mulher sofre cotidianamente nelas, no transporte coletivo e no ambiente de trabalho. Parece incrível, mas mesmo em sociedades que se autoproclamam muito avançadas as administrações estão disponibilizando espaços exclusivos para mulheres no transporte público, poupando-as de humilhações – ou seja, que sociedades muito avançadas são essas?

Enquanto isso nós, ocidentais, passamos os dias a ler, absolutamente chocados e escandalizados, notícias sobre o Yemen. Onde fica mesmo este país?