- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Panacéia

Houve uma época, na História da Humanidade, em que Reis, Imperadores e Senhores feudais andavam à busca de soluções miraculosas para os males que sempre afligiram os homens. Era o tempo das caravelas e das grandes travessias oceânicas. E, sobretudo, dos milagres. Beatos e santos de toda espécie saíam pelas estradas curando doentes e ressucitando mortos, a torto e a direito.

Foi aí que surgiu a chamada “panacéia”. Panacéia era um remédio, de origem vegetal, que, segundo alardeavam seus receitadores e vendedores, curava toda e qualquer doença – física ou mental.

Efetivamente, as propriedades curativas da panacéia teriam uma abrangência extraordinária e ilimitada, chegando ao ponto de ser designada como “panacéia universal”. Servia para dor de cabeça, dor de barriga, câncer, loucura, gonorréia, diarréia, fraqueza, debilidade física e mental, etc., etc., etc.

A panacéia, enfim, resolveria todos os problemas e padecimentos do homem em sua fatigante caminhada por este globo terráqueo.

Esses acontecimentos, que se passaram há muitos anos, vêm-nos à lembrança quando contemplamos o que se passa no nosso País, atualmente, com relação às reformas constitucionais, que, ao que parece, se transformaram numa nova espécie de panacéia.

Vejamos, bem a propósito, três exemplos.

  1. Há pouco mais de um mês as Polícias Militares de diversos Estados da Federação se rebelaram exigindo melhores salários e pagamento em dia. Houve greves, agitações, invasões, e, sobretudo, um aumento espantoso da criminalidade, devido à inatividade dos órgãos encarregados da segurança pública. O comércio chegou a fechar as portas, tantas foram as invasões, saques e destruições.

O Governo, para restabelecer a ordem e a tranquilidade no seio da população, despachou tropas do Exército, e até mesmo tanques, para “acabarem com a anarquia, a ferro e fogo”. Ninguém pensou sequer em pagar os salários atrasados e muito menos em melhorar o padrão de vida dos policiais.

Na mesma hora foi anunciada aos quatro ventos a solução para o problema: reforma constitucional. O País necessita, urgentissimamente, é de uma reforma constitucional na área policial.

  1. Rebentou, a nível nacional e internacional, a chamada “crise dos precatórios”. Acham-se, em todos os Estados, milhares e milhares de precatórios que não são pagos. A Justiça, após longa tramitação do processo, emite uma ordem de pagamento, para se pagar ao requerente, que se sujeitou à demorada tramitação processual, o que lhe é devido, por ter sofrido algum dano causado pelo Estado, através de seus prepostos. Essa ordem de pagamento chama-se, em linguagem jurídica, “precatório”.

Constatada a existência de tão imenso débito por parte dos Governos, federal, estaduais e municipais, surgiu logo a solução para o problema: reforma constitucional. Foi preparada, às pressas, uma emenda constitucional estabelecendo a “súmula vinculante”, que serviria para apressar o andamento dos processos. Seus autores só não explicaram é se isso resultaria no imediato pagamento dos precatórios, ou apenas ocasionaria o surgimento de um maior volume de precatórios amontoados.

  1. Todo mundo sabe como funciona precariamente a Justiça no nosso País: pequeno número de juízes, escrivanias desaparelhadas, baixos salários e exagerado número de ações. Enquanto a média, nos países civilizados, é de um juiz para, no máximo mil habitantes, no Brasil temos um juiz para cerca de 30 mil habitantes, havendo regiões, inclusive aqui no Espírito Santo, em que há um juiz respondendo por quatro ou cinco Comarcas, ou seja, atendendo a mais de cem mil habitantes.

Acresça-se a isso o espantoso número de recursos admitidos por Lei, e a existência de quatro instâncias (Juiz, Tribunal de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal).

Colocado o problema sobre a mesa, com toda sua dramaticidade, surge logo a solução: reforma constitucional. No dorso dessa reforma viria o “controle externo”, que seria a tábua de salvação, capaz de espantar todos os males que afligem o Judiciário.

Como se vê, tudo indica que neste final de século 20, nas vésperas do século 21, fomos buscar no passado longínquo, a tão falada panacéia, só que, dando-lhe novas roupagens e cores, designando-a pomposamente de “reforma constitucional”.