- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Passagens históricas

Lembro-me muito bem que na época do regime militar, hoje cognominado de “ditadura militar”, “anos de chumbo”, etc., aqueles que por pensamentos, palavras, obras ou omissões fossem considerados “inimigos da Pátria”, subversivos, comunistas ou traidores, eram perseguidos implacavelmente.

Basta dizer que D. Helder Câmara, sentindo-se coagido e constrangido no nosso País, partiu para a Suiça, em busca de refúgio. Lá os jornalistas lhe perguntaram sobre a oposição no Brasil, ao que o Santo sacerdote respondeu: “No Brasil não há oposição. Os que se atreveram a enfrentar a ditadura, estão mortos, presos ou exilados”.

Realmente, admitia-se uma oposição branda, leve, ou, como diz o jargão atual, “soft”. Se fossem ultrapassados certos limites traçados pelo autoritarismo, desencadeava-se uma perseguição implacável, até que o audacioso fosse preso ou morto.

Caso o acusado conseguisse fugir ou se esconder, passava-se a exercer pressão sobre sua família: prendia-se o pai, a mãe, a esposa, irmão, irmã, e mesmo parentes mais afastados.

Foi graças a esse método cruel e implacável que o regime conseguiu botar na cadeia e punir todo e qualquer subversivo, ou assim considerado pelo Delegado de plantão.

Esse método arcaico e medieval de se exercer o direito punitivo recebeu as mais contundentes críticas de todos os democratas autênticos, nacionais e estangeiros.

Figuras das mais extraordinárias do mundo jurídico bradavam em altas vozes, que, de acordo com princípio milenar dos Direitos Humanos, verdadeira conquista da Civilização, a pena não pode passar da pessoa do criminoso. Que o que se estava fazendo seria verdadeira ignomínia, merecendo a mais veemente repulsa e condenação de toda a consciência jurídica.

Nossos furiosos democratas – muitos deles exercendo impavidamente o Poder hoje – citavam a Declaração dos Direitos do Homem, editada quando da Revolução Francesa, de 1789, mediante a qual toda pena passou a ser exclusivamente pessoal. Efetivamente, naquela época era comum o empregado substituir o patrão no cumprimento de penas, o filho ir para a cadeia no lugar do pai, ou o pai no lugar do filho, ou qualquer um, mediante paga, sujeitar-se ao cárcere substituindo o barão, conde, lorde, etc.

Mas eis que, por incrível que pareça, passados mais de duzentos anos da Revolução Francesa ainda constatamos que, neste nosso País cristão e abençoado, onde predomina a verdadeira democracia, familiares são punidos em lugar de acusados e caçados pela Polícia e pela Justiça.

Toda a imprensa tem noticiado amplamente, sem qualquer simulação, que a mulher e as irmãs do conhecido traficante Fernandinho Beira Mar estão na cadeia há meses, e, segundo assoalham as respectivas autoridades, só serão soltas quando ele se entregar.

Ao lado dele, temos também o caso do Juiz Nicolau dos Santos Neto, também conhecido pela alcunha de “Lalau”, cuja mulher e filhas sofreram terrível perseguição policial (ou continuam sofrendo) para que o mesmo se entregasse.

Tudo isso está acontecendo às vistas de todo mundo, em plena vigência das nossas instituições democráticas.

A única diferença entre o que se passa hoje, e o que ocorria na época da ditadura, é que naquela época levantava-se enorme onda de protestos, críticas e ataques não apenas a nível nacional, mas, também, internacional. Instituições das mais respeitáveis, defensoras intimoratas e intemeratas dos Direitos Humanos, publicavam notas e manifestos protestando veementemente contra a terrível afronta a tantos e tantos dispositivos constitucionais e Declarações do Homem e do Cidadão de que nosso país é signatário há séculos.

Estes acontecimentos, apenas os mais notórios, pois dezenas e centenas de outros ocorrem diariamente nas nossas crônicas policiais, nos fazem recordar conhecida fábula de Esopo, quando diz que: “Num lugar deserto, um viajante encontrou uma mulher que estava sozinha e triste. Quem és tu? perguntou ele. E ela: A verdade. E por que abandonaste a cidade dos homens para viver nesta solidão? Foi porque antigamente só poucas pessoas mentiam; hoje a mentira está por toda parte”.