- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Penas

No nosso País, nos últimos anos, principalmente após a Constituição de 1988, foram editadas – seja através de aprovação do Congresso Nacional, seja através de “medidas provisórias” – inúmeras leis penais, todas elas aplicando penas mais rigorosas e tachando de “crimes hediondos” diversas condutas proibidas. Criou-se a figura da “prisão temporária”, mediante a qual o cidadão é preso sem sequer haver respondido a um inquérito policial – muito menos a um processo judicial.

Nada disso, entretanto, tem surtido os esperados e anunciados efeitos. Quanto maior o número de leis, mais aumenta a criminalidade.

Na realidade, a criminologia moderna já provou e comprovou que uma das maiores causas da criminalidade, atestada por todos os cientistas e observadores sociais – unânimes a esse respeito – está na questão social. Na maior parte dos casos o homem torna-se violento, e delinque, em razão da nutrição insuficiente do seu sistema nervoso central. Cérebro mal nutrido, desgraça, miséria – eis onde se forma o criminoso.

Não se pode ignorar a parte que cabe à sociedade na produção do delito, seja em fazendo nascer suas ocasiões, seja em atribuindo mais ou menos arbitrariamente, a certas ações, o caráter delituoso.

Se o arbítrio do legislador chegar a tornar delituoso o ato mais inocente, se as variações das legislações criminais a esse respeito estiverem fechadas em algum círculo intransponível, não se prendendo a algum tema imutável, não se pode negar a tendência incontrolável para o aumento da criminalidade.

Exemplo disso temos na introdução da chamada “Lei Seca”, nos Estados Unidos. Os legisladores, movidos por inspiração religiosa, entenderam de proibir a produção e consumo de bebidas alcoólicas no País. Como o povo gosta de beber, e, principalmente, a população norte-americana já naquela época era constituída em sua maior parte de anglo-saxões, amantes do bom uisque, o consumo do álcool, em vez de ser extinto, ou pelo menos diminuir, aumentou consideravelmente. Com esse aumento de consumo vieram as fábricas clandestinas, o tráfico ilícito, as quadrilhas de bandidos, a organização de máfias, das quais a mais famosa foi a de Al Capone, e, por conseguinte, a criminalidade desenfreada.

São as leis que criam os criminosos. Não há ato, por mais inofensivo que seja, que já não tenha sido crime em alguma legislação. Aqui no Brasil, mesmo, até antes da Proclamação da República, ou seja, até quando foi promulgada a Constituição de 1891, era crime, punido com cadeia, comer carne na Semana Santa. Ninguém podia ter outra religião, a não ser a católica. Só existia o casamento religioso – na Religião Católica: os protestantes e judeus só se casavam se abjurassem sua fé e adotassem o catolicismo. Durante muitos séculos puniu-se o homossexualismo com a morte na fogueira.

Macumba, espiritismo, seitas africanas e asiáticas, foram combatidas implacavelmente durante séculos, no Brasil e em todo o mundo cristão – muito embora Cristo só tenha pregado o perdão, a bondade e a caridade.

Por aí se vê que através de nuances e metamorfoses infinitas de moralidade superficial, sob o império das superstições, dos costumes, das instituições, das legislações mais diversas, uma camada profunda, sempre a mesma, de sentimentos formados no fanatismo e na paixão, elaborada durante a longa noite das épocas anteriores, não cessa jamais de servir de indispensável humus às florações mais variadas de novas leis – que surgem aos borbotões – pensando em acabar com o crime por decreto.

E acontece exatamente o contrário. O indivíduo que é preso arbitrariamente, que sofre humilhações ocasionadas por leis mal feitas, mal pensadas e mal aplicadas, torna-se um revoltado, caminhando celeremente para o crime.

Assim, na época presente, quando vemos modestos e pacíficos lavradores serem presos e jogados em celas imundas e fétidas no meio dos piores criminosos, apenas porque caçaram um tatu ou mataram uma cobra, não podemos ter dúvida alguma que estão se formando novas levas de criminosos.

Já está na hora de se compreender que a prisão deve ser o último recurso a ser adotado pelo Direito Penal, e não o primeiro. Para isso a evolução da ciência já criou a fiança, a multa, as penas alternativas, e, finalmente, apenas com o caráter substitutivo, o encarceramento.

Essa facilidade de baixar leis criando prisões celulares é, como dizia Anatole France, “uma ferocidade peculiar aos povos civilizados, que ultrapassa em crueldade a imaginação dos bárbaros. Quem assim age é muito mais malvado que um selvagem. Um filantropo inventa suplícios desconhecidos na Pérsia e na China. O carnífice persa faz morrer de fome os prisioneiros. Era preciso alguém para imaginar fazê-los morrer de solidão. É nisso exatamente em que consiste o suplício da prisão celular”.