- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Processo romano

A primeira reforma do Judiciário de que temos notícia na História da Humanidade foi realizada na época do Império Romano, por Sylla, no ano 80 antes do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Naquela época dizia-se que em Roma só havia Justiça para os ricos, ficando os plebeus inteiramente à margem da Lei. Que a Justiça era morosa. Que os Juízes eram corruptos. Que as decisões da Justiça não eram respeitadas. Que havia leis demais, todas elas confusas e possibilitando interpretações contraditórias. Que existiam inúmeras espécies de Justiça: a dos tribunos, a dos Pretores, a dos magistrados, a dos Militares, a das questões agrárias, a dos tribunais, a dos Senadores e a do povo. Criticava-se o excesso de ritos e formalidades.

A reforma de Sylla, diante de problema tão grave, que vinha abalando as próprias estruturas do Poder, pode ser descrita, em poucas palavras, assim:

  1. Criou apenas três espécies de Justiça – a municipal, a estadual e a nacional.

Entendiam os juristas da época que cada Município deveria ter seu Judiciário próprio, com poder normativo adaptado às suas peculiaridades, dada a enorme variedade de costumes, hábitos e mentalidade, entre os milhares de Municípios, em toda a extensão do Império. Seria o caso de se dizer, por exemplo, que numa cidade pequena e atrasada do interior a Justiça não pode ser igual à do Rio de Janeiro, São Paulo, e outras imensas capitais com milhões de habitantes. No que se refere aos crimes contra os costumes isso se apresenta claramente: relações sexuais em público e atos homossexuais podem estarrecer e criar revolta numa determinada região povoada por religiosos fanáticos e pessoas apegadas à moral tradicional, enquanto que seriam encaradas com indiferença na cidade grande.

Uma ocorrência de somenos importância para o morador de uma grande metrópole, às vezes tem significado gravíssimo em cidades do interior, levando a querelas intermináveis, com homicídios e lesões corporais. As pessoas que vivem em pequenas localidades têm maior sentimento de honra, são mais briosas e apegadas à família. São capazes de morrer para defenderem um amigo, um parente, ou até mesmo a dignidade de sua terra.

Além disso, há Municípios onde não reside um Advogado sequer, nem um médico, e tampouco um Contador. Onde se ignora até mesmo a existência de computador. A Lei, aí, deve ser outra, ou precisa ser interpretada e aplicada com certa elasticidade.

  1. Sylla passou a separar as questões em públicas e privadas. Aumentou consideravelmente o número de crimes dependentes de queixa do ofendido, oferecendo ampla oportunidade para acordo e composição entre as partes. E, sobretudo, suprimiu da legislação penal inúmeros fatos irrelevantes que eram considerados crimes.
  1. Instituiu processos diferentes: um para questões municipais, outro para as estaduais e outro para as nacionais (compreendendo questões de todo o Império, e, especialmente aqueles relativos a importantes casos políticos), ou seja, processo diferenciado para cada espécie de Justiça. Mas, além disso, havia processo simples para ações cíveis e penais de menor complexidade, e processo mais amplo para questões complexas.
  1. Acabou com os inúmeros recursos e apelações, criando apenas o duplo grau de jurisdição, pois, como dizia muito bem Pimenta Bueno “criar mais de duas instâncias seria não atender os verdadeiros interesses sociais, fôra onerar muito as partes, conservar por muito tempo os direitos e as fortunas em dubiedade e deterioração, e, enfim, não impor oportunamente um termo às questões”.
  1. Os juízes condenados por corrupção eram colocados dentro de uma gaiola e ficavam expostos, em praça pública, à chacota dos populares.
  1. Qualquer pessoa que tivesse processo há mais de três meses na mão do Juiz, sem julgamento, tinha o direito de ir morar na casa do Juiz até ver sua questão decidida.

Lucius Cornelius Sylla viveu no período que vai de 138 a 78 anos antes de Cristo. Sua reforma judiciária foi implantada há mais de dois mil anos, mas, inegavelmente, ainda contém sugestões perfeitamente válidas para os dias atuais.