- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Progressos & retrocessos

Estudos das ciências penais demonstram que os primeiros exemplos históricos válidos da pena carcerária encontram-se no final do século 14 na Inglaterra, na oportunidade em que o sistema feudal já mostrava sintomas de profunda desintegração.

Historiadores e estudiosos da matéria vacilam quanto aos reais motivos da ausência da pena carcerária na sociedade feudal.

O crime – para citar a conhecida tese de Pasukanis – pode-se considerar como a relação de um contrato que se estabelece post factum, ou seja, depois de uma ação arbitrária cometida por uma das partes; a pena, portanto, atuaria como equivalente, que equilibraria o dano sofrido pela vítima.

As primeiras e embrionárias formas de sanção utilizadas pela Igreja se impuseram aos clérigos que tinham delinquido de alguma forma; é exagero falar verdadeiramente de delitos; mas bem se trataria de infrações religiosas que resultavam desafiantes da autoridade eclesiástica ou que despertavam um certo alarme social na comunidade religiosa. Esta natureza necessariamente híbrida – ao menos num primeiro momento – explica bem porque estas ações provocaram, por parte da autoridade, uma resposta todavia de tipo religioso-sacramental. Entende-se também que se inspirara esta no rito da confissão e da penitência, mas acompanhando-a – devido à índole específica destas ações – com outro elemento: a forma pública. Assim nasceu o castigo de cumprir a penitência numa cela, até que o culpado se emendasse.

Esta natureza terapêutica da pena eclesiástica foi depois, de fato, englobada, e portanto desnaturada, pelo caráter vindicativo da pena, sentida socialmente como satisfativa; esta nova finalidade acentuou necessariamente a natureza pública da pena. Esta sai então do foro da consciência e se converte em instituição social, e por isso sua execução torna-se pública, torna-se exemplar, com o fim de intimidar e prevenir.

A penitência, quando se transformou em sanção penal propriamente dita, manteve em parte sua finalidade de correção; com efeito, esta se transformou em reclusão num monastério por um tempo determinado. A separação total do mundo, o contato mais estreito com o culto e a vida religiosa, davam ao condenado a ocasião, por meio da meditação, de expiar sua culpa.

O regime canônico penitenciário conheceu várias formas. Além de diferenciar-se, porque a pena devia ser cumprida na reclusão de um monastério, numa cela ou no cárcere episcopal, teve distintas maneiras de ser executada: à privação da liberdade acrescentaram-se sofrimentos de ordem física, isolamento em calabouço (cela, cárcere, ergástulo) e sobretudo a obrigação do silêncio.

Essas peculiaridades, próprias da execução penitenciária canônica, têm sua origem na organização da vida conventual, muito especialmente em suas formas do mais acentuado misticismo.

Mas há que ter presente, como um elemento necessário para a análise, que o regime penitenciário canônico ignorou completamente o trabalho carcerário como forma possível de execução da pena.        A circunstância da ausência da experiência do trabalho carcerário na execução penal canônica pode esclarecer o significado que a organização eclesiástica atribuiu à privação da liberdade por um período determinado. Parece, com efeito, que a pena de cárcere – como se realizou na experiência canônica – atribuiu ao tempo de internamento a função de um quantum de tempo necessário para a purificação segundo os critérios do sacramento da penitência; não era por isso tanto a privação da liberdade em si o que constituía a pena, mas só a ocasião, a oportunidade para que, no isolamento da vida social, se pudesse alcançar o objetivo fundamental da pena: o arrependimento.

Esta finalidade deve ser entendida como emenda ou possibilidade de emenda diante de Deus e não como regeneração ética e social do condenado-pecador; neste sentido a pena não podia ser mais que retributiva, fundada por isso na gravidade da culpa, e não na periculosidade do réu.

Enquanto se processou, em todo o mundo, a extraordinária evolução da mentalidade científica em torno da prisão carcerária, chega a ser estarrecedor quando vemos o que se passa, atualmente, nos Estados Unidos, a maior democracia do mundo, em torno do problema.

Com efeito, desencadeiam-se protestos na Austrália, contra o tratamento desumano dispensado pelos norte-americanos a australianos supostamente autores de atos de terrorismo. Seus representantes estão lutando pelo direito de terem acesso aos tribunais dos Estados Unidos. Reclamam que não poderiam ficar isolados na Base Naval de Guantanamo, na Baía de Cuba, sem terem direito a um contacto com advogado, e sem qualquer direito de defesa.

O Governo Bush está alegando que kuaitianos, australianos e muçulmanos ingleses capturados no Afeganistão e no Paquistão poucos meses após o ataque de 11 de setembro, seriam “combatentes fora da Lei”.

Apoiando advogados do Ministério da Justiça, o Juiz Distrital decidiu que os detentos em Guantanamo não têm o direito de serem ouvidos no Tribunal, o que significa dizer que os militares podem detê-los indefinidamente sem processo formalizado.

Os cerca de 600 prisioneiros – segundo o Juiz – não se encontram nos Estados Unidos, e por essa razão não se acham sob a jurisdição dos Tribunais Federais norte-americanos.

Tudo parece indicar que após uma espantosa transformação através dos tempos, a pena carcerária, hoje, volta ao século 14 – pelo menos na grande e notável democracia norte-americana.