Quando um magistrado envia às torturas de nossas mais fétidas masmorras um miserável qualquer, há apenas um ato rotineiro de combate ao crime, sequer percebido. Mas, quando acontece de decretar a prisão de um grande corrupto, destinando-o às nossas melhores penitenciárias, revolta-se a consciência jurídica nacional, cogitando de violação ao princípio da presunção de inocência.
Quando um magistrado utiliza o depoimento de um delator para desbaratar alguma quadrilha de traficantes de morro, há apenas o bom uso de um instrumento legal. Mas, quando acontece de a delação ser feita em ambiente de poderosos, agitam-se os cientistas do Direito, preocupados com a serenidade dos pretórios.
Quando um magistrado possibilita o desbaratar de todo um bando de meliantes de periferia, não se detendo naqueles primeiros “bagrinhos” apanhados no início de qualquer investigação, terá ele agido bem e não pecado por omissão. Mas, quando acontece de o “bando” ser composto por cavalheiros refinados, subitamente inquietam-se os pregadores da Justiça, sugerindo que ele seria, afinal, não mais que um “incendiário”.
Quando um magistrado impede manobras protelatórias efetuadas pela defesa de algum acusado de “pequena cabotagem”, é elogiado com o termo “enérgico”. Mas, quando acontece de o réu ser alguém poderoso, imediatamente chega, pelas mãos dos Doutos, a alcunha de “perseguidor”.
Quando um magistrado notabiliza-se por reprimir com destemor os crimes dos miseráveis, é elevado à condição de herói. Mas quando acontece de combater a corrupção em seus mais elevados níveis, logo é rotulado pelos “formadores de opinião” como “polêmico”.
Quando um magistrado adota providências sérias contra algum botequim de periferia que esteja a perturbar a paz da vizinhança, ganha o conceito de “sensível”. Mas, quando acontece de ser uma poderosa corporação a fazê-lo, impunemente, ao longo de décadas, reservam os “analistas” a quem age a reputação de “afoito”.
Quando um magistrado sofre a vingança violenta de algum acusado miserável, vira nome de prédio público. Mas, quando enfrenta retaliações por ter sido “incendiário” ou “polêmico”, encontra apenas o silêncio que desanima outros pelo exemplo.
Não me refiro, com estas palavras, a nenhum caso em particular. Refiro-me, antes, ao Brasil hipócrita que sempre teve “meia-consciência”, origem de uma “meia-ordem”, seguida de um “meio-progresso”.