- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Recapitulações

O Direito, como se sabe muito bem, não é uma ciência exata, como a matemática. É uma ciência filosófica. Não se pode tocar no direito, empacotá-lo, carregá-lo e levá-lo nos ombros ou apalpá-lo com as próprias mãos. Surge, através dos séculos, como uma criação do espírito humano.

Já dizia Ulpiano, nos tempos da Roma antiga, que “os preceitos do direito são estes: viver honestamente, não ofender ninguém, dar a cada um o que é seu”. O que, como se vê, é pura filosofia.

Alguns o definem como “a técnica da coexistência humana”, ou, em outras palavras, a técnica dirigida a tornar possível a coexistência dos homens, isto é, a vida em sociedade.

Para disciplinar e regular essa vida em comum, o Direito cria os chamados “atos jurídicos”.

Dentro da imensa família dos “atos jurídicos”, temos o ato jurídico lícito e o ato jurídico ilícito.

Há, assim, ilícitos civis e ilícitos penais. Indenização e pena não são, essencialmente, diferentes, porque a indenização é espécie de pena, ou a pena é espécie de indenização.

No meio de grande controvérsia jurídica, Merkel, com energia e grandes resultados, apresentou a unidade do ilícito. É o mesmo negação do direito e apenas inclui em si uma dupla característica: a violação da vontade social objetivada no direito, e a imputabilidade.

Nessa área deve-se ressaltar, então, o contraste violento entre os ilícitos puníveis e impuníveis. Quem o compreende, compreende também a profunda relação entre crime e pena.

Mais sublime do que velar por direitos subjetivos, compete ao legislador assegurar condições à sociedade para uma vida jurídica sadia, em que reine a paz imperturbada, em que os direitos subjetivos se entendam livres, ao mesmo tempo moderados e poderosos, e os direitos possam ser exercidos sem perturbações e sem impedimentos.

Esta garantia de pressupostos da vida jurídica pacífica e abençoada: isto é o em que se tornou a grande missão estrita das leis penais, até onde elas alcançarem. Passando por cima dos direitos subjetivos, o direito de tutela deve abranger todos os aspectos da vida jurídica, para conceder-lhes a indispensável tutela jurídica.

Em sua missão universal, que ultrapassa todas as missões específicas das demais áreas do direito, desenvolve-se a peculiaridade de sua maneira de encarar os fatos cada vez mais realisticamente. O legislador penal procura as condições materiais de uma vida comum sadia: lança suas vistas sobre pessoas, coisas e situações, muito mais energicamente do que sobre o direito. Busca, além disso, aquelas condições que se referem ao aspecto do tempo – a peculiaridade que chama e atrai a agressão que perturba o direito.

Da prudência e prática do legislador, depende reconhecer este objeto o mais completamente possível, da agudeza de sua visão, sua fixação exata, das duas, a extensão da Lei e sua força de aplicação, e até mesmo sua aplicabilidade.

Daí explica-se porque o legislador ajusta seu conceito de crime tão exatamente a essa concepção realista da perturbação jurídica, e então tão raramente a agressão a um determinado direito subjetivo como tal, é carimbada de tipo penal de crime; porque não toma sob sua tutela o direito, diretamente, mas indiretamente, pelo lado de seus objetos, de seus pressupostos materiais.

Esta é a razão por que, através dos tempos, ora um fato se configura como ilícitio civil, ora aparece como ilícito penal. E há mesmo certas ocorrências que num país são ilícito penal, e em muitos outros países aparecem como ato jurídico lícito, ou, ainda, como ilícito civil.

Tudo isso nos vem à memória quando assistimos aos acalorados debates que se travam em torno da necessidade das chamadas “penas alternativas”, que, a nosso ver, não são nada mais nada menos do que meros paliativos diante da dramática realidade criminal e carcerária em que vivemos.

Muito mais lógico, correto e, sobretudo, válido, seria uma profunda e verdadeira reforma de nossa legislação penal, transformando-se muitos dos ilícitos penais em ilícitos civis, ou, na pior das hipóteses, em crimes dependentes de queixa do ofendido, a fim de se possibilitar a transação, a composição, ou seja, o acordo entre ofensor e ofendido.