- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Retratos

Em 15 de novembro de 1889 foi proclamada a República, que, segundo seus idealizadores e propagandistas, estaria instalando no Brasil a verdadeira democracia, com um regime estritamente “do povo, para o povo, pelo povo”. Eleições livres escolheriam os legítimos representantes do povo, que, com incontestável legitimidade, governariam em seu nome. Renasciam as esperanças do povo brasileiro. E assim entramos no século 20 sob os melhores auspícios.

Acontece que, após passados poucos anos, no “Manifesto de Montevidéu, de 1925, Assis Brasil denuncia o processo eleitoral, dizendo que: “Ninguém tem certeza de ser alistado eleitor; ninguém tem certeza de votar, se porventura foi alistado; ninguém tem certeza de que lhe contem o voto, se porventura votou; ninguém tem certeza de que esse voto, mesmo depois de contado, seja respeitado na apuração, ou chamado terceiro escrutínio, que arbitraria e descaradamente é exercido pelo déspota substantivo ou pelos déspotas adjetivos, conforme o caso for de representação nacional ou das locais”.

Rui Barbosa, Senador da República e candidato a Presidente da República, em sua “campanha civilista” denuncia os crimes, arbítrio, prepotência e barbaridades do Governo, clamando por democracia e liberdade.

Eis que em 1930 Getúlio Vargas, derrotado nas urnas, comanda uma Revolução para instituir no Brasil a verdadeira democracia. Vitorioso, assume o Poder, e o Congresso eleito promulga, em 1934, a nova Constituição. Essa Constituição perdurou até 1937, quando Getúlio baixa, autoritariamente, uma nova Constituição, fecha o Poder Legislativo – federal, estaduais e municipais – e instaura uma ditadura férrea e violenta no País, que só acaba em 1945, com sua deposição pelas Forças Armadas, que resolveram intervir no processo político para restabelecerem a democracia.

Eleito um Congresso constituinte, após prolongados debates em 1946 é promulgada a nova Constituição brasileira, elaborada pelos legítimos representantes do povo, reunidos “sob a proteção de Deus”, orientados pelos mais sadios princípios de liberdade, democracia e patriotismo.

Caminhando aos trancos e barrancos, sob a ameaça de golpes e intervenções de toda espécie, sendo de destacar o “Movimento de Retorno aos quadros constitucionais vigentes”, de 1955, essa Constituição sofreu seu mais rude golpe em 1964, quando explodiu a chamada (na época) “Revolução redentora e redemocratizadora”, que, por sua vez, para instituir no Brasil a verdadeira democracia, só admitia militares no Poder, começando com o Marechal Castelo, em 1964, e acabando com o General Figueiredo, em 1983.

Nesse período, até chegarmos à promulgação da Constituição de 1988, muitas vozes se levantaram pregando acaloradamente o retorno ao regime democrático, destacando-se o saudoso Deputado Mário Gurgel, que, conforme bem lembrado pelo seu filho Antonio de Pádua Gurgel, em seu maravilhoso livro “O Menino da Ilha”, recentemente lançado, acabou tendo seu mandato cassado, porque, dentre outras coisas, dizia no Congresso Nacional: “Acreditamos numa democracia efetiva, em que se agasalhem todos os homens nas mais variadas camadas sociais, sob a proteção de leis votadas por representantes do povo e sancionadas pelo Poder constitucionalmente eleito pela Nação” (Pág. 211).

Aduzia, mais ainda, o combativo parlamentar: “Enquanto verbas oficiais são pródigas para recepcionar com luxuosos banquetes autoridades estrangeiras, tenho visto no lixão de Vitória os filhos do Brasil disputando com urubus os restos da cidade. Tenho visto crianças morrerem envenenadas por comer sobras de comida que a fartura envenenava para matar ratos” (Pág. 202).

É triste, sem dúvida alguma, constatar-se que, após tanta luta, tantos sacrifícios – Mário Gurgel viveu, sofreu e morreu por esses ideais – de tantos brasileiros heróicos, vejamos, ainda hoje, nosso País governado através dos mesmos decretos-leis de então, só que, agora, sob o rótulo de “medidas provisórias”, e o quadro dantesco dos “meninos abandonados” continue inalterado.

A propósito, enquadram-se muito bem as palavras de Balzac, quando dizia: “Ele acreditou na República de Rousseau, na fraternidade dos homens, na troca dos belos sentimentos, na proclamação do mérito, na escolha sem brigas, afinal em tudo aquilo que a extensão nedíocre de um distrito como Esparta torna possível e que as proporções de um império tornam quiméricas”.