- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Retrocesso penal

Já Carrara enfatizava a necessidade de uma relação entre a pena e o crime, tomando-se em conta a personalidade do criminoso. Propunha, assim, a formação de uma escala penal, com um máximo e um mínimo, devendo-se fazer a aplicação, individualizadamente. Assinalava o grande mestre, pioneiramente, que os crimes mais graves deveriam ser punidos com penas mais graves, e as penas tinham que ser impostas “de acordo com a culpabilidade do réu” (Programma, § 694).

Esse pensamento está perfeitamente de acordo com a lógica, o bom senso e os sentimentos populares, que sempre exigiram uma diferenciação entre crimes leves, médios, graves e gravíssimos.

Desde a mais remota antiguidade, e na própria Bíblia, já se falava na lei do talião (oculos pro oculo, dens pro dente, anima pro anima – olho por olho, dente por dente, alma por alma).

Numa sociedade em que a pena não tem apenas sentido retributivo, mas visa, também – e sobretudo – à ressocialização do condenado, impõe-se a individualização, para que se verifique a capacidade de readaptação, a possibilidade de ser feita, distinguindo-se os incapazes de ressocialização ou readaptação.

Não resta dúvida que para o êxito de qualquer política penológica, tem-se que saber, antes de mais nada, o índice de adaptação do condenado. Isso é da maior importância.

Individualizar consiste em investigar as causas que levaram o agente a cometer o crime; qual o grau de anti-sociabilidade manifestado na ação delituosa; análise de suas condições biológicas, psíquicas e sociais; quais as possibilidades de reagir ou aceitar o tratamento ressocializador; finalmente, quais os sintomas de sua maior ou menor periculosidade.

Efetivamente, manifesta-se uma grande diferença de personalidade, se o agente cometeu crime contra a vida, crime sexual, estelionato, fraudes, lesões corporais, etc. Há que distinguir, antes de mais nada, a criminalidade violenta da criminalidade fraudulenta – são próprias de caracteres e perfis psicológicos muito distintos.

Fator relevante é, também, o modo como foi cometido o crime; se se trata de indivíduo são, equilibrado mentalmente, de um primário, reincidente, habitual ou ocasional, se é jovem ou adulto, etc.

Suponhamos que quatro homens se juntem para cometer um latrocínio: um pode estar movido unica e exclusivamente pela vontade de ganhar dinheiro; o segundo, querendo se vingar da vítima; o terceiro, pretendendo angariar fundos para fins políticos ou atividades subversivas; e o quarto, finalmente, pode muito bem ter agido em desespero de causa, devido ao estado de saúde da mulher ou do filho, necessitando de uma operação urgente, para a qual o agente pretendia obter recursos, “de qualquer maneira”.

Assim, muito embora todos tenham, objetivamente, praticado o mesmo crime, e sejam capitulados no mesmo dispositivo do Código Penal, poderão, entretanto, receber penas diferentes, e merecerão, sem dúvida, tratamento diferenciado na execução das respectivas penas a que forem condenados. Seus impulsos subjetivos divergiram substancialmente.

Ferri, sem dúvida o mais importante porta-voz da sociologia criminal, estabelece cinco classes de delinquentes: criminosos loucos, natos, habituais, ocasionais e passionais.

Aschaffenburg, diz relativamente a isso, que há sete grupos: criminosos acidentais, passionais, ocasionais, premeditados, reincidentes, habituais e profissionais. Chama a atenção, de modo particular, para o criminoso acidental, que é aquele que entra em conflito com o Código Penal por culpa.

Inegavelmente, a pena, ainda que tenha que ser determinada de acordo com a natureza do crime, deve ser adaptada à personalidade do criminoso – este o fundamento básico que orienta o princípio de individualização da pena.

Dentro dessa concepção fundamental, nosso Código Penal veio fixar que o Juiz estabelecerá a pena, “atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime” (Art. 59).

Fatores fundamentais para essa definição da personalidade do agente, conforme acentua Kinberg, são: a mentalidade, individualidade psicológica e a moralidade.

A função individualizadora é essencial, sobretudo, na execução das penas privativas de liberdade, quando deverão ser efetuadas valorações de caráter personalíssimo, com apoio em estudos psicológicos e sociológicos.

O condenado, para efeito de progressão, tem que estar sujeito a controle de sua personalidade biopsíquica e social, a fim de se conhecer seu grau de desadaptação social, sua periculosidade e possibilidades de ressocialização.