- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Retrospectos

Saiu publicado na imprensa recentemente que, nos Estados Unidos, o Tribunal Familiar da Filadélfia acusou dois adolescentes americanos de estuprar uma garota de 13 anos atrás do quadro negro numa sala de aula cheia de alunos. Os garotos, com idades entre 13 e 14 anos, estão sob prisão domiciliar desde fevereiro, e deveriam conhecer sua sentença no último dia 29 de maio, sendo que, segundo consta, os dois poderiam ser condenados a até quatro anos de reclusão numa instituição para delinquentes.

Diz mais a notícia, que a vítima do estupro, cuja identidade não foi revelada, procurou a polícia de Filadélfia logo depois do crime. Contou que os dois rapazes entraram na sala de aula em que ela estava, levaram-na para trás do quadro negro e a estupraram. Testemunhas disseram que o crime ocorreu quando a sala de aula estava cheia de estudantes e sob os cuidados de um professor, que foi suspenso depois do crime. O juiz Frank Reynolds justificou a decisão da corte dizendo que “eles sabiam que ela não queria e impuseram sua vontade. Isso é estupro”, lembrando que os acusados deverão ser submetidos a uma avaliação de seu estado psicológico.

Essa cena grosseira e, como se diz comumente, bárbara, ocorreu no País mais adiantado do mundo, na maior democracia do mundo e na maior potência armada do mundo, ou, resumindo, na única superpotência do mundo atual.

Como se vê, estamos numa época de crises: crise religiosa, crise social, crise da moral, crise do direito. Todas essas crises são produzidas por sistemas para os quais o honesto é o útil; a moral é orientada de acordo com as conveniências do momento.

Será que isso significaria um retrocesso aos tempos antigos? Ou estamos apenas com novos conceitos e novas concepções, em que o mundo está se transformando para pior?

Desde que se chega às épocas históricas, aos livros escritos vários milhares de anos antes de Cristo, fica-se admirado com a elevação moral que haviam alcançado os povos primitivos.

O caráter obrigatório da lei moral foi compreendido pelos povos antigos, como por nós. Todas as religiões (e diz-se que a religião é tão velha quanto o mundo) sempre ensinaram a obrigação de preferir o dever ao interesse. Abstenho-me de citar a Bíblia, porque a demonstração a este respeito é supérfula.

Vejamos, antes de mais nada, com que elevação os antigos persas falavam do dever religioso: “Creio na lei dos Mazdeiermans, no justo juiz Ormuz, na ressurreição dos corpos. Esta Lei, não a abandonarei nem por uma vida mais feliz, nem por uma vida mais longa, nem pelo império sobre os outros homens. Se for preciso dar meu corpo, consinto em o entregar; quanto fôr preciso perder a cabeça, não me afastarei dessa lei”.

Os antigos filósofos da China, Confúcio, Mencius, falam do dever como Kant. “A regra de conduta moral, que deve dirigir as ações, é de tal modo obrigatória que não se pode separar-se dela num só ponto, um só instante. Se se pudesse separar, não   seria mais uma regra imutável. A lei do dever é por si mesma a lei do dever. Oh! Como a lei do dever do homem santo é grande! É por isso que o sábio, identificado com a lei do dever, cultiva com respeito sua natureza virtuosa, esta razão reta que recebeu do céu”.    Em cada página de Confucius e de Mencius encontram-se máximas morais absolutamente idênticas às nossas.

Para exprimir a idéia de que devemos fazer nosso dever sem nos preocuparmos com as consequências, dizemos: “Faça o dever, advenha o que puder ocorrer”. Confucio dizia o mesmo: “É preciso colocar antes de tudo o dever de fazer o que se deve fazer, e pôr em segundo lugar o fruto que se obtém, e Mencius exprimia o mesmo pensamento nestes termos: “O homem superior, em praticando a lei, olha com indiferença a realização do objetivo”.

Resumimos nossos deveres para com nossos semelhantes nesta máxima cristã: “Não façais aos outros o que não quereis que vos façam”. Este pensamento se reencontra quase com as mesmas expressões em Confúcio: “Aquele cujo coração é direito, e que leva para com os outros os mesmos sentimentos que tem por si mesmo, não se separa da lei do dever prescrito aos homens por sua natureza racional: não faz aos outros o que deseja que não seja feito a si mesmo”. Um de seus discípulos, inspirando-se em sua doutrina, dizia no mesmo sentido: “O que não desejo que os outros me façam, desejo igualmente não fazer aos outros homens”. Confucio acrescentava que sua doutrina consistia unicamente em ter retidão no coração e em amar seu próximo como a si mesmo.

“A consciência, diz Confúcio, é a luz da inteligência para distinguir o bem e o mal”.

Diante desses retrospectos e do que vemos atualmente, chega a surgir a dúvida, se na realidade, neste início de século e de milênio, estamos copiando o passado ou, desgraçadamente, começando novas modas e novos costumes.

Aliás, bem dizia Coco Chanel que “toda moda é criada para ficar fora de moda”.