- Pedro Valls Feu Rosa - http://pedrovallsfeurosa.com.br -

Uma reflexão para o Natal

Que tal recordarmos, neste tempo de Natal, aquela memorável pintura de Georges Rochegrosse magistralmente descrita pelo escritor português Albino Forjaz de Sampaio?

“É um quadro que representa a vida. No primeiro plano muitas criaturas erguem o braço para chegar mais alto. Homens de casaca tão corretos como se fossem para um baile. Homens condecorados e homens banais, velhos e moços, misturam-se e empurram-se, disputando-se numa agonia pavorosa, num combate sem nome. Aquele monte é a ambição de subir na vida. Atrás, pela riba acima, numa escalada vertiginosa, aparece uma maré cheia de cabeças ululantes, estranguladas pela ambição, correndo, empurrando-se, pisando os que ficam. Todos daquela multidão ávida querem ser os primeiros. O lugar é disputado a soco, a murro, a dente. O caminho que leva ao triunfo é uma cena medonha que mais parece a fuga duma derrota”.

E prossegue o escritor lusitano: “Não há trégua, não há descanso. Cada um vigia sempre o seu vizinho, espreita se ele cai, e tripudia, espreita se ele sobe, e inveja-o. Trava-se um combate em que o mais cruel, o mais forte, o mais canalha, é que triunfa. Nada de piedade nem de compaixão. Se não esmagares, serás esmagado. Não há tempo de olhar, nem de pensar sequer. Avançar seja como for, custe o que custar”.

Não há necessidade de se ir a museu algum para olhar este quadro – basta abrir a janela de casa. É sob esta realidade que proponho um momento de meditação e de reflexão sobre qual o nosso papel nesta vida – o nosso, o de cada um de nós. Nestas ocasiões sempre me vem à mente um antigo texto oriental, escrito há alguns milênios, em torno de um conceito conhecido como “setsu, getsu, ka”.

Trata-se de um daqueles textos simples, até óbvios demais. Mas talvez esteja aí, na simplicidade dos conceitos, o necessário contraste com uma atualidade cada vez mais complexa e incompreensível.

Sim, talvez fosse interessante, durante alguns momentos, um retorno à simplicidade de alguns milênios atrás, na busca de conceitos pequenos e eternos que nossa civilização tem condenado cada vez mais ao esquecimento.

Comecemos pela palavra “setsu”, que designa a neve – e através dela as estações do ano, em última análise o infinito passar do tempo. Esta figura, tão simples, deveria nos lembrar o quão efêmeros somos! Sim, o que somos nós diante de tantos séculos e milênios, diante da eternidade? Nada, absolutamente nada.

Mas nós não somos apenas efêmeros – somos também insignificantes. Sobre isto vem a segunda expressão, “getsu”, representando a lua, e com ela o universo infinito, a nos lembrar de nossa pequenez. O que somos nós diante da imensidão do mundo – esta pequena bolinha que povoa, juntamente com bilhões ou trilhões de outras, aquilo que chamamos “universo”?

Esta, sem retoques, a realidade da nossa existência: efêmera e insignificante! Somos efêmeros diante do tempo, e insignificantes perante o espaço.

Daí, conclui a curiosa figura oriental, devermos buscar alguma inspiração nas flores – “ka”, em japonês. São elas igualmente singelas e frágeis, mas buscam cumprir a pequena missão de, durante alguns poucos instantes, suavizar a vida em algum cantinho insignificante deste planeta.

Esta deveria ser a nossa tarefa maior: tornar menos áspera a vida no nosso mísero cantinho durante o mínimo tempo no qual aqui permaneceremos. Eis algo que, observado por cada ser humano, eliminaria da face da Terra tantas misérias e tanto sofrimento. Simples assim.