A celebração da miséria e o espírito de Natal

Está chegando o Natal. É tempo de ornamentarmos nossas casas, em celebração ao que seguramente é o mais belo dia de todo o ano. Mas é igualmente hora de suavizarmos nossos corações, tantas vezes tão embrutecidos pelas asperezas da vida.

Há poucos dias vi pelas ruas, buscando a solidariedade dos corações generosos, um sacerdote. Nos olhos, o brilho da luz que quase sempre só a idade traz, temperado pela chama do entusiasmo próprio dos jovens. Diante de si, um desafio: acolher de forma digna semelhantes nossos que a velhice encontrou prostrados na sarjeta, sofrendo a dor de uma miséria pungente sobre o solo de um país tão rico como é o nosso.

Ao vê-lo peregrinando, buscando construir um lar para os idosos desamparados, fiquei a refletir sobre este nosso Brasil que orgulhosamente se diz tão cristão. Não, não me refiro aos brasileiros, fique isto bem claro! Sou testemunha do sentimento de solidariedade das pessoas comuns. Estas tem sido clementes, e tornado possível o surgir de uma bela obra humanitária sobre os alicerces da generosidade.

Sim, o que me causa espécie não são os brasileiros – mas o Brasil! Como pode ser possível que um país cristão veja impassível tantos filhos morrendo pelas ruas, abandonados em meio a uma miséria indescritível?

A expressão “impassível” justifica-se. Dia desses li que, apenas em propaganda oficial, gasta-se perto de R$ 1,5 bilhão todos os anos – e este valor não inclui sequer os patrocínios concedidos por empresas estatais. Quantos idosos miseráveis este dinheiro retiraria das ruas, meu Deus! E lá vai o sacerdote, recolhendo alguns poucos deles com a só ajuda do sacrifício de alguns voluntários.

E as festas e “shows”? Lá se vão outros R$ 1,5 bilhão de dinheiro público, pelo país afora – e esta é uma estimativa modesta! Mas festejar o que, meu Deus? A morte das 20 crianças que este país perde todos os dias, vítimas inocentes da falta de um simples sistema de saneamento básico? Quantas vidas o dinheiro das festas e “shows” poderia salvar? 100? 500? 5.000? 50.000? Não importa. Fosse uma só, e seria um mandamento cristão gastá-lo com ela.

Enquanto isso lá vai o idoso sacerdote pelas ruas, com o coração apertado à vista de tantas crianças miseráveis – o futuro deste país – abandonadas. Aperta-lhe o peito saber que nada poderá fazer por elas. Afinal, a ajuda que tem conseguido para acolher os velhinhos já não permite iniciar uma nova campanha em solidariedade às crianças.

Há também as obras inacabadas. Segundo o Tribunal de Contas da União, elas são 400, e foram paralisadas após consumirem R$ 2 bilhões de recursos públicos. R$ 2 bilhões! Jogados na lata do lixo! Quantos velhinhos poderiam ser retirados dos corredores imundos de alguns hospitais públicos com este dinheiro! Quantas crianças poderiam começar a ter direito a algum futuro com uma mínima parcela de toda esta fortuna!

Pois é. E lá vai pelas ruas aquele sacerdote, à cata dos míseros tostões – sim, diante do que o Brasil joga fora o que ele busca são míseros tostões –  que permitirão retirar do convívio da chuva e do frio, das baratas e dos ratos, da fome e das doenças, alguns poucos brasileiros – irmãos nossos.

Talvez, neste final de ano, em meio às mesas fartas e troca de presentes, fosse oportuna uma reflexão sobre os níveis de humanidade de um país que retira da saúde, da felicidade e até da vida de alguns de seus filhos fortunas imensas para festejar. Afinal, o Natal é todo dia!

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