A dor de ser mulher

Dia desses li que, na civilizada Inglaterra, os índices de violência doméstica aumentaram 28% por conta da derrota da seleção nacional de futebol na Copa do Mundo realizada no Brasil – ou seja, os homens jogam mal e quem apanha são as mulheres. 

Fiquei a pensar, à vista deste exemplo, no quão estas sofrem pelo planeta afora – e ao mesmo tempo a me perguntar como é possível tamanha impunidade, fruto da mais abjeta omissão do Estado. Segue, talvez, um início de explicação. 

Vamos começar pela Índia, país no qual um legislador de nome Tapas Pal, proferindo um discurso, assim se referiu aos seus adversários políticos: “Eu não os pouparei. Eu liberarei meus homens para estuprarem suas esposas”. 

Por falar em estupros, a pérola seguinte vem do mesmo país, pela boca de Sudin Dhavalikar, Ministro de Goa: “nós não deveríamos deixar mulheres de biquini frequentarem locais públicos, pois fica muito difícil controlar as pessoas”. 

Este político tem como seguidor Babulal Gaur, Ministro de Madhya Pradesh, que assim opinou sobre a violência sexual contra as mulheres: “às vezes o estupro é errado, e em outras vezes é certo”. Fez coro com ele um magistrado de Israel, Nissim Yeshaya, ao afirmar, em plena  sala de audiências, que “algumas garotas gostam de ser estupradas”. E bem assim um tribunal indiano, segundo o qual “sexo forçado não é estupro”. 

Na Tailândia, o General Prayuth Chan-ocha, ninguém menos que o Primeiro-Ministro, diante do assassinato de duas turistas inglesas, lançou uma intrigante pergunta: “as mulheres estarão seguras vestindo um biquini? Só se não forem bonitas”. 

Quem também tem pensamentos estranhos sobre o sexo feminino é o parlamentar japonês Hideo Onishi: em plena sessão do Parlamento silenciou uma colega dizendo “case-se e tenha filhos”. Ainda naquele país o Ministro da Saúde, um certo Hakuo Yanagisawa, ao longo de famoso discurso, definiu as mulheres como “máquinas de procriação”. 

Não menos exótica – para ficar no mínimo – foi a fala de Bulent Arinc, Vice-Primeiro Ministro da Turquia, segundo quem “mulheres devem ser virtuosas, então não devem sorrir em público”. Logo em seguida acrescentou que o sexo feminino não deveria usar telefones celulares para discutir receitas culinárias. 

Enquanto isso, no Egito, um líder religioso de nome Usama al-Qawsi declarou nada haver de errado no fato de um homem espionar o banho de mulheres solteiras. Transcrevo sua fala: “Se você tiver agido com honestidade e desejar casar-se com aquela mulher, e você conseguir observá-la em segredo, vendo coisas que você normalmente não veria antes de se casar, sua conduta é aceitável”. 

Do outro lado do Mar Mediterrâneo, na civilizada Itália, o Senador Roberto Calderoli assim pronunciou-se sobre a Ministra de Estado Cecile Kyenge: “Quando vejo as imagens de Kyenge não deixo de recordar, mesmo sabendo que ela não é um, as feições de um orangotango”. 

Nem a seara dos esportes escapa da sanha discriminadora dessa gente – vide o Vice-Presidente de uma Federação de Futebol do Reino Unido, o qual afirmou a uma juíza que “lugar de mulher é na cozinha, e não em campos de futebol”. 

É importante observar que estes exemplos não partiram de gente inculta. Considere, em seguida, que estes foram os que externaram suas opiniões – quantos outros estão por aí agindo da mesma forma, porém discretamente? Quantos, ocultos sob o véu da hipocrisia, massacram as mulheres cotidianamente, impedindo que sejam tratadas de forma digna pelo Estado? 

Sobre estes, insensíveis ao fato de que as coisas da vida passam, e passam muito depressa, nunca tão oportuna a descrição de Francis Bacon: “os crocodilos derramam lágrimas quando devoram suas vítimas – eis aí sua sabedoria”. 

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