A responsabilidade de lá e a de cá

Há alguns dias li uma inacreditável notícia no jornal Haveeru Daily, das distantes ilhas Maldivas: sete motocicletas estacionadas em uma rua foram abalroadas por um veículo do governo (uma viatura da polícia). Quatro das motocicletas foram completamente destruídas.

O jornal esclareceu que a viatura da polícia, desgovernada, bateu nas motocicletas estacionadas uma ao lado da outra. Pergunte-se: o que há de extraordinário em um simples acidente de trânsito? Realmente, nada. Extraordinário foi o que aconteceu em seguida: o governo enviou um veículo para recolher as motocicletas danificadas e convocou os proprietários das mesmas a fim de que fossem indenizados.

É realmente notável: o governo das Maldivas, um pequeno e pobre país, paga o que deve sem discutir ou “empurrar com a barriga”. Uma lógica simples: se devo, pago. Uma ética clara: se estou errado, devo suportar as conseqüências.

Enquanto isso, aqui no riquíssimo Brasil, o brasileiro ferido em seu direito acaba vítima de uma burocracia perversa, cuja função principal parece ser não pagar as dívidas velhas e deixar as novas envelhecerem a fim de que também não sejam pagas.

A propósito, há alguns anos o presidente da OAB acusou: “o poder público no Brasil é o maior litigante de má-fé que existe”. E concluiu que se o Governo “parasse de recorrer a qualquer custo seria possível reduzir significativamente o número de processos que entulham a Justiça”.

Estaria ele exagerando? Penso que não. Dados do STJ revelam que dos 5.000 processos protocolados semanalmente naquela Corte mais de 4.250, ou exatos 85%, envolvem o Poder Público – União, Estados e Municípios.

Vamos a alguns exemplos de quanto isto custa ao povo brasileiro. Começo pela falência, há alguns anos, de uma empresa de segurança do Rio de Janeiro, por conta de um calote de R$ 20 milhões do Governo. Só neste caso, 1.800 chefes de família perderam seus empregos.

Seria este exemplo muito pequeno? Então vamos a outros! No Rio Grande do Sul, 120 dos 497 municípios (cerca de 25% do total) deviam quase R$ 250 milhões às concessionárias de energia elétrica. Já com a Companhia Riograndense de Saneamento, 70 prefeituras acumulavam dívidas vencidas de R$ 11 milhões pelo fornecimento de água. No Rio de Janeiro, apenas na área de concessão da Light, que abrange 31 municípios, 18 prefeituras estavam inadimplentes, devendo juntas R$ 31,4 milhões.

Seria este um problema de pequenos municípios? Não: 50% dos casos de inadimplência estatal enfrentados pela concessionária de saneamento básico de São Paulo estavam nos municípios do riquíssimo ABC – o calote total chegaria a R$ 1 bilhão. No mesmo sentido, eis uma notícia de 2005: “a Light vai cortar a luz, hoje, de 48 agências do INSS no Rio. As contas atrasadas somam R$ 340 mil”. Para completar, cito o caso de uma Delegacia de Polícia do Mato Grosso sem telefones, cortados por falta de pagamento, e negociando o atraso com fornecedores de combustível, água e energia elétrica para não fechar.

Não se fale em falta de dinheiro: o Brasil é um país riquíssimo, que apenas em propaganda oficial gasta mais de R$ 1 bilhão a cada ano. Talvez, em verdade, fosse o caso de recordarmos  a célebre proposta de Capistrano de Abreu: “Eu proporia que se substituíssem todos os capítulos da Constituição por um artigo único – todo brasileiro fica obrigado a ter vergonha na cara”.

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