A rotina do absurdo

Agora é lei: nenhum budista poderá reencarnar a menos que pegue, antes de morrer, uma autorização do governo. É isso mesmo: antes de pensar em “abotoar o paletó” – aliás, de “dobrar a túnica” – um monge deve pedir autorização à burocracia chinesa.

Enquanto isso, na Suíça, um bode utilizado como mascote por um partido político foi raptado por candidatos rivais a poucos dias das eleições. O nome do dito animal, sério candidato a “bode expiatório”, é Zottel – que, hoje aos dez anos de idade, participa de campanhas políticas desde 2007.

No Irã, 17 crianças travavam uma animada “guerra” de pistolas de água em um parque de Teerã. Eis que por lá chegou a autoridade policial prendendo-as todas sob a acusação de perturbação da moralidade pública.

Pense, agora, em um bebê de apenas um mês que já seja portador de diploma de curso superior e esteja devidamente empregado em um alto cargo público, recebendo um salário condigno. Descobriram este prodígio lá na Nigéria. Não é à toa que o governo daquele país gasta US$ 175 milhões a cada ano com pensionistas que só existem no papel.

Pior do que este caso foi um outro, acontecido na Índia: constatou-se que o prefeito da capital do país pagava salários a 22.853 funcionários públicos que simplesmente não existiam.

Nesta mesma linha, alguém descobriu que o governo da África do Sul pagava as aulas de nada menos que 101.000 alunos – todos fantasmas. Nunca existiram!

Na Rússia, um governador aconselhou a população a adquirir helicópteros para evitar os irritantes engarrafamentos de trânsito. Já na França o problema era a morte: um decreto municipal proibiu todos os moradores de morrerem, em função da falta de vagas no cemitério local. O decreto acenou com “severas punições” para os transgressores.

Nos EUA, o prédio da vetusta, respeitada e eficiente SWAT, orgulho da polícia daquele país, tão bem retratada em filmes e seriados, foi invadido por ladrões. Os amigos do alheio carregaram desde escopetas até metralhadoras, além de uma grande quantidade de munições.

Na Espanha, em Zaragoza, a administração municipal ameaçou de despejo os mortos que estiverem inadimplentes com seus impostos – serão exumados dos cemitérios locais e novamente enterrados, porém em valas comuns. Segundo apurei, uns 30 mil defuntos estão nesta situação.

Encerro esta coletânea com uma inesquecível frase de Jorge Coelho, presidente de um partido político português: “só um maluco é que se mete na vida pública”.

É este o ponto que gostaria de abordar: o da insensatez – da loucura mesmo – que devasta a humanidade. Basta dizer que nenhum dos grotescos episódios acima descritos foi objeto de ampla divulgação. Eis aí o fato verdadeiramente preocupante: já vemos como normais atos e situações absolutamente anormais – quando muito merecem alguns poucos dias de noticiário localizado, e só.

Olhe em volta. Veja seus semelhantes catando comida em latas de lixo. Agonizando pelos corredores de hospitais públicos. Trancados dentro de casa por medo de assaltos. Morrendo em rodovias que mais parecem matadouros. Sem futuro e esperança por conta de um Estado incompatível com o mundo moderno – cada vez menor, e no entanto a cada dia mais loteado!

Problemas existem, e sempre existirão – fique isto bem claro. Porém, o que temos visto pelo mundo afora alcançou o paroxismo. Vivemos hoje na era da desmoralização do escândalo e da rotina do absurdo – e isto não é, e não pode ser, considerado normal.

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