As crianças grávidas e a solidariedade

Cristiane Efe da Silva nasceu em uma das milhares de favelas brasileiras, sobreviveu às crises de disenteria, hepatite, cólera e gastroenterite que a falta de saneamento básico traz e conseguiu crescer um pouco. Lá pelos onze anos, ela começou a ser assediada pelo seu pai. Cristiane nem cogitou ir a uma Delegacia – afinal, no morro dela “Polícia não entrava”, conforme apregoava acintosamente o tráfico de drogas local. E assim, praticamente sem outro caminho, lá foi ela envolver-se com um traficante, negociando proteção em troca de seu próprio corpo. Acabou grávida, aos 12 anos de idade.

Brasilina Silva, diante do mesmo problema, foi buscar ajuda na Polícia. O pai dela chegou a ser preso, porém poucos dias depois a Justiça concedeu-lhe a liberdade. Solto, ele voltou para casa, deu uma surra na esposa e outra em Brasilina, aproveitou para estuprá-la novamente e assim “tudo voltou ao normal”. Brasilina acabou grávida, aos 13 anos de idade.

Emanuele do Brasil, desde criança, gostava muito de ver televisão. Estatisticamente, 70% de todos os programas que assistiu tinham algum conteúdo sexual – a média apurada nas pesquisas ficava em 5 cenas por hora no conjunto semanal. Os pais dela estavam sempre fora, batalhando pelo sustento da casa – o que a deixava mesmo por conta de assistir televisão. A uma média de 5 cenas por hora, 1 hora por dia (o que é pouco), 4 dias por semana (o que também é pouco), Emanuele assistiu, entre os 6 e os 14 anos, algo em torno de 7.680 cenas com algum conteúdo relacionado a sexo. O resultado: acabou grávida de seu primeiro namorado, aos 14 anos de idade.

Fantine Valjean andava sossegada por uma rua de sua favela, vindo da Igreja, quando foi rendida e estuprada por um maníaco. Na Delegacia, quando o Delegado ouviu os detalhes da execução do crime, falou, entristecido: “pois é, li que 75% dos estupradores condenados confessaram que praticaram em suas vítimas o que haviam assistido antes em programas pornográficos, e que 80% dos estupradores de crianças confessaram que seus problemas começaram através das cenas de pornografia que viam cotidianamente. Eis aí mais um caso”. E foi assim que Fantine acabou grávida, quando contava apenas 14 anos de idade.

Os nomes dos personagens são fictícios, mas suas vidas não. Eis aí uma realidade que a nossa Sociedade prefere ignorar para viver em paz – mas ela existe. Vamos à estatística de 2006, que é absolutamente chocante: o número de partos entre cada 1.000 mulheres na faixa dos 15 aos 19 anos de idade é de 5 nas Filipinas, 4 na Coréia do Sul, 8 na Bélgica, 6 na Dinamarca, 7 na liberal França, 9 na Grécia, 7 na Itália, 3 no Japão, 5 nas ultra-liberais Holanda e Suécia, 6 na China, 4 na Suíça e 89 no Brasil. Sim, 89 no Brasil! Nem os Estados Unidos, notórios pela liberdade conferida à sua juventude, chegaram a tanto: 43 partos, menos da metade do índice brasileiro.

Há uma outra estatística igualmente reveladora – aquela que fala das mortes relacionadas à gravidez e ao parto. No Brasil, uma mãe a cada 370 morrerá. Na China, uma a cada 1,3 mil. Na Coréia do Sul, uma a cada 6,1 mil. Na Bélgica, uma a cada 7,8 mil. No Japão, uma a cada 11,6 mil. Na Suécia, uma a cada 17,4 mil. Na Áustria, uma a cada 21,5 mil. Para não dizer que falamos apenas de países muito industrializados, ficamos também atrás de países como Tunísia (1 morte a cada 500 mulheres grávidas), Mongólia (1 a cada 840) e Chile (1 morte a cada 3,2 mil).

Diante destes dados, aplaudimos de pé a linda iniciativa do Instituto Bio Scan de oferecer exames médicos gratuitos a um grupo de futuras mamães menores e carentes, bem como o belo gesto dos Hospitais Meridional, Metropolitano e Vitória Apart de doarem 50 partos em apoio a esta idéia. Nossos parabéns! Temos visto, sensibilizados, o espírito solidário de um grupo de médicos humanitários, buscando dar orientações, atendimentos e até medicamentos a algumas crianças – sim, crianças – grávidas, verdadeiras vítimas de um sistema social defeituoso e hipócrita.

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