As estradas do Nepal

Dia desses deparei-me, no jornal “The Himalayan Times”, com uma singular notícia relativa aos acidentes de trânsito e as mortes que estes causam nas rodovias do Nepal. O texto, aparentemente rotineiro, chama a atenção pelo enfoque dado às causas. 

Comecemos pelo título: “Estradas ruins e excesso de veículos estão causando acidentes fatais”. Segue o depoimento do Chefe do Departamento de Polícia de Trânsito Regional, denunciando que “48 pessoas perderam suas vidas em 37 acidentes nos últimos três meses somente em sua região”. 

Ouvido pela reportagem, o engenheiro de trânsito Sunil Babu Panta explicou os motivos: “o orçamento disponibilizado para reparos tem sido congelado a cada ano”. Sua teoria coincide com a de um comitê governamental formado para estudar o assunto: “estradas ruins e lotadas de veículos são os elementos causadores dos acidentes”. 

A reportagem chegou à mesma conclusão: “As rodovias se deterioram a cada ano, e buracos estão aparecendo por todo lado. A manutenção delas simplesmente não tem acontecido”. 

É realmente digna de aplauso a lição que vem lá do Nepal: eles descobriram que estradas ruins causam acidentes! Chegaram à conclusão de que se as estradas fossem decentes o número de mortes seria reduzido! E – vejam só – constataram que há veículos demais circulando pelas rodovias, sugerindo a adoção de outros meios de transporte! Notável, isso! 

A situação do Brasil, guardadas as devidas proporções, não é tão diferente: temos 69% da malha rodoviária entre péssimo e regular estado de conservação – foi esta a conclusão de um estudo da Confederação Nacional do Transporte. Apurou-se, ainda, que dos 89.552 km avaliados, apenas 27.713 foram considerados em bom ou ótimo estado.  

Acrescentemos, agora, um relatório da Polícia Rodoviária Federal, indicando que em 2013 morreram 8.415 pessoas, e 103.559 ficaram feridas, em 186.474 acidentes acontecidos em nossas rodovias. Já a UFRJ contou 500 mil mortes entre 2003 e 2012. Segundo o IPEA, cada uma destas mortes subtrai ao Brasil R$ 800 mil. Gastamos, por ano, cerca de US$ 1 bilhão só com as despesas de saúde decorrentes de tais infortúnios. 

Curiosamente, no entanto, aqui no Brasil o culpado maior é o motorista! Somos nós que dirigimos mal! Descobri até um cidadão sustentando que 95% dos desastres viários no país são fruto de uma combinação de irresponsabilidade e imperícia. E acrescentou: 98% são fruto de erro ou negligência humana. Tradução: além de sacolejarmos pelos matadouros, digo, péssimas estradas brasileiras, ainda somos culpados pelo que nela acontece de ruim! Talvez não sejamos, realmente, tão competentes em desviar de crateras… 

De toda sorte, decidi pesquisar mais o assunto. Li que na década de 1940 o Brasil ainda contava com uns 38.000 km de ferrovias. Hoje, a extensão das linhas férreas é de apenas 30.214 km. E enquanto as ferrovias encolhiam, as rodovias aumentavam – os 185.000 km de rodovias que nosso país tinha em 1940 cresceram para 1,6 milhão. É por esta rede esburacada, pouco policiada e extremamente caótica que transita quase que a esmagadora maioria da economia brasileira. 

E tão mais séria a questão quando recente auditoria do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo constatou que 70% das vias vistoriadas apresentavam ao menos um tipo de defeito após um ano da conclusão definitiva de sua construção ou reforma. Não por acaso, pois, nossos carros precisam ser “tropicalizados” – maneira elegante de definir o processo de adaptação para circulação em vias precárias, que inclui reforços na suspensão etc. 

É quando, diante de tanto cinismo e pouco civismo, na expressão de José Neumanne, renovo meus aplausos ao Nepal – que descobriu ser a roda redonda! 

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