As leis e a teia de aranha

Li na “Time Magazine” que no Brasil apenas 2% de todos os crimes violentos resultam em prisão. É verdade. Segundo pesquisei, de cada 100 crimes 33 são registrados em Boletins de Ocorrência, 6 viram Inquéritos Policiais e apenas 2 terminam em prisão – o que também não significa grandes coisas, já que apenas 1% dos condenados cumpre a pena até o fim.

Por conta desta vergonhosa situação apurou-se que em São Paulo 66% das vítimas de crimes não vão sequer reclamar perante uma autoridade – preferem buscar conforto psicológico em frases do tipo “é assim mesmo, eu que dei bobeira”. Passamos a viver em uma sociedade sitiada, escondida atrás de muros, grades e alarmes. Em números: 50% dos moradores das capitais evitam sair de suas casas à noite, já somos o terceiro maior mercado de carros blindados do planeta e temos um exército de seguranças particulares estimado em 500 mil homens.

Enquanto isso, li em A Tribuna uma chocante notícia sobre um elemento que tem perto de uns 20 Alvarás de Soltura, respondendo em liberdade por quase uma dezena de homicídios – foi quando fiquei a pensar naquele ensinamento segundo o qual uma das maiores fraquezas do ser humano é ser “leão diante de carneiros e carneiro diante de leões”.

Esta é uma verdade triste: nosso sistema legal é, não raro, “leão” diante da “carneirada” representada por tantos pobres cujos crimes consistiram em furtar latas de óleo, bicicletas ou afins. Porém, e também não raramente, este mesmo sistema é “carneiro” diante dos “leões”, aqueles acusados dotados de maiores recursos. Estes quase sempre ficam pelas ruas, e seus processos acabam se perdendo no meio dos milhares de outros da “carneirada”, passando de mão em mão por conta de incidentes, impedimentos e suspeições, longe dos olhos da imprensa e da sociedade. Acabam caindo no esquecimento.

Estou exagerando? Não creio. Há alguns anos, o Banco Central listou 1.591 processos relativos a crimes financeiros – apenas 80 deles resultaram na condenação dos envolvidos. Li em A Tribuna que menos de um terço dos crimes cometidos por jovens de classe média e alta chegam à Justiça. Calcula-se que existem 27 mil processos criminais de homicídio parados no Judiciário. É assim, de exemplo em exemplo, que vivemos a cada dia mais confinados e humilhados em nossas casas trancadas e muradas, renunciando a prazeres simples como andar despreocupados pelas ruas. Já vamos nos transformando na “Pátria da Impunidade”.

A solução deste problema, na prática, é difícil – não acredito em mudanças profundas na legislação ou no espírito dos chamados “operadores do Direito”. Assim, temos que nos contentar com “quebra-galhos”, algo bem ao gosto nacional. Modestamente, sugiro três: a proibição de que denunciados por múltiplos delitos de reconhecida gravidade respondam soltos aos processos, a exigência de recolhimento à prisão como requisito para recorrer contra sentenças condenatórias e a prioridade de julgamentos conforme a gravidade e repercussão do crime.

As duas primeiras medidas, na prática já adotadas em outros países, não resolveriam o problema da impunidade, muito mais profundo. Mas evitariam, por exemplo, que pessoas já condenadas por crimes gravíssimos ficassem pelas ruas sob as vistas de uma população a cada dia mais desiludida com as nossas instituições.

Quanto à prioridade para os julgamentos dos crimes mais graves, seria reduzido o vexame dos processos que alcançam até 15 ou 20 anos de idade. Afinal, absolva-se ou condene-se – mas julgue-se! O imperdoável, o grave, o que agride a Sociedade, é o não-julgamento e a sensação de impunidade que o acompanha.

Enquanto isso, só nos resta trancar a porta da casa, ligar o alarme, orar e vigiar, filosofando sobre o desabafo de Honoré de Balzac, segundo quem “as leis são teias de aranha, pelas quais passam as moscas grandes e nas quais ficam retidas as pequenas”.

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