Nós podemos viver mais e melhor

Dia desses um amigo comentava uma pesquisa segundo a qual alguns povos vivem muito. Dizia ele que a principal explicação era a alimentação. “Eles comem muito peixe”, ensinou. Confesso que durante longo tempo meditei sobre isso – e cheguei a uma causa principal distinta, que aqui denomino “ambiente lógico”.

Vamos começar pelo sono. Normalmente, povos que vivem muito dormem em ambientes silenciosos – o que, convenhamos, é algo absolutamente normal. Enquanto isso, dormimos ao som da “sinfonia das ruas” – e creio desnecessário enumerar a vasta gama de barulhos produzidos sob nossas janelas. Não por acaso, assim, 35% dos adultos brasileiros moradores de áreas urbanas são atingidos por distúrbios do sono. Pois é: e sono ruim mata neurônios, danificando o cérebro e a memória.

Em seguida, vem o transporte. Imagine ir trabalhar andando sobre calçadas corretas e limpas, trafegando sobre uma pavimentação lisa – o que, também convenhamos, é algo absolutamente normal. Somos, porém, diferentes: a esmagadora maioria de nossas calçadas mais parece saída de um bombardeio inimigo, que mata nossos idosos de queda e nossos jovens de cansaço. Nossas ruas dispensam comentários – mais parecem campos de rali, pelas quais passamos sacolejando, de um lado para o outro, e para cima e para baixo, tal qual cabritos. E foi assim que, em 2013, pesquisadores brasileiros constataram o óbvio: o transporte público ruim está afetando a saúde, a educação e a cultura da população brasileira.

Povos que vivem muito dificilmente convivem com a poluição – o que, uma vez mais convenhamos, é algo absolutamente normal. Aqui é diferente. Convivemos com um pó preto que ninguém sabe de onde vem, mas que todos sabem onde vai parar: em nossos pulmões. Nossas principais avenidas são um escândalo, em termos de fumaça de óleo diesel. Calcule, agora, que só a poluição custa a cada brasileiro seis meses de vida – eis o quanto deixamos de viver só por conta desta rubrica.

Não nos esqueçamos da serenidade do ambiente, um outro fator incrivelmente importante. Povos longevos normalmente convivem com níveis de criminalidade razoáveis e regras sociais e jurídicas estáveis – algo, também aqui convenhamos, absolutamente normal. Mas somos diferentes: saímos de casa sem saber se tombaremos sob o tiroteio do dia, e com frequência o amanhã nos é um mistério, uma caixinha de surpresas. Aos resultados: uma a cada cinco dores que sentimos é fruto do mais puro “stress” – simples assim.

E é chegada da hora do exercício ao ar livre! Povos campeões em longevidade costumam dispor de amplas áreas verdes, de espaços amplos, silenciosos e seguros, nos quais possam se exercitar – e, igualmente, repousar a mente. Eis aí, de novo convenhamos, algo absolutamente normal. Enquanto isso, o Brasil tem 8.515.767 km2 – e quase nenhum deles disponível para o lazer adequado da população. Como não podemos ter grandes parques por conta da criminalidade, que fiquemos nos exercitando ao lado das avenidas, ao som e sob a fumaça dos veículos que passam – a coisa só melhora aos domingos, por conta de algumas iniciativas isoladas. Tradução: é difícil para um brasileiro médio cumprir uma rotina de exercícios e relaxamento ao ar livre pelo menos três vezes por semana. 

Some tudo isso, acrescente ainda a baixa qualidade de nossa alimentação em termos de micronutrientes, uma consequência da característica dos solos equatoriais, e comece a entender os principais motivos pelos quais o Brasil tem a maior relação de farmácias por habitante do planeta.

É digno de nota, finalmente, que nosso país tem recursos suficientes para resolver praticamente todos os problemas acima. Só falta vontade. Vontade de viver.

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