Nossa miséria

Dia desses lia tocante reportagem sobre uma das cidades mais pobres do mundo – nada menos que 62,4% de seus habitantes vivem abaixo da linha de pobreza. Ou seja, vivem na miséria mesmo. Na mais profunda miséria.

Muitas vezes, no entanto, a frieza de uma estatística não reflete o calor de uma realidade. Não traduz dramas humanos com a precisão e eloquência necessárias. Eis a lição que extraí das declarações de alguns moradores daquela cidade.

Meditemos, por exemplo, sobre as palavras de Débora: “Às vezes não há o que comer. Graças a Deus tenho uma família que me convida para ter uma refeição, mas depois fico envergonhada. Tive sete filhos e seis deles morreram. Tenho Berenice, que felizmente foi salva por um médico”.

Perguntada sobre o que teria vitimado seus seis outros filhos, ela dá uma resposta tão simples quanto doída: “Não sei. Nunca me disseram do que eles morreram ou me deram algum tipo de documento”.

Alguns moradores buscam a sobrevivência empregando-se fora da cidade, em obras sazonais. “O problema é que você tem que deixar a família abandonada por um, dois ou três meses. Mas é o que deve ser feito”, lamenta Homero, pai de quatro filhos.

Como seria de se esperar, nesta cidade não há transportes públicos, hospital ou serviços de emergência. Só recentemente algumas de suas ruas foram pavimentadas, graças a um empréstimo do governo federal.

Esta cidade, ao contrário do que as aparências indicam, não fica em nenhum país assolado por guerras fratricidas ou secas. Não fica na África distante. Nem na América Latina. Trata-se de Escobares, situada em pleno Texas – um dos mais abastados e influentes membros dos Estados Unidos da América, o mais rico e poderoso país do mundo.

Não sucumba à tentação de, apontando um dedo acusador para os EUA, buscar consolo com o pensamento de que “eles estão iguais a nós”. Não. Não é este o espírito destas linhas. Afinal, lembre-se de que, enquanto direciona um dedo para lá, três outros apontam para si.

Escobares nos choca a todos, em verdade, não em função do drama social que exibe – mas por ser repositório da brutal e cruel indiferença de muitos. Por realçar, de forma ímpar, a hipocrisia dos vistosos mundos das leis e das estatísticas econômicas diante da realidade crua. Eis aí, retratada de forma límpida, nossa miséria.

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